Ordem do Dia do Presidente da Academia Barbacenense de Letras
Barbacena, 09 de outubro de 2025.
Quarenta e oito anos de presença da Academia Barbacenense de Letras, ABL, na “Nobre e Muy Leal Barbacena”! A arcádia nasceu em nove de outubro do ano de mil novecentos e setenta e sete, nas elevações da Mantiqueira. Plínio Tostes de Alvarenga, o fundador e o primeiro presidente, marcou a municipalidade com a sua iniciativa vanguardista. Edificou uma instituição que até hoje tem como norte a guarda e a exaltação da memória das letras barbacenenses e dos feitos, dignos de nota, de seus conterrâneos, no que respeita ao vasto, e valoroso, patrimônio cultural, nosso maior legado!
A Academia Barbacenense de Letras contou também, nos seus primórdios, com as contribuições de importantes amigos das letras para a empreitada de seu estabelecimento. Marinho Luiz da Rocha, Fábio Nézio, Sidnei Cunha, Paulo Maia Lopes, Mário Celso Rios, e tantos outros que, irmanados no espírito altivo do saudoso professor Plínio, impulsionaram o sodalício e o fizeram realidade inegável em nossa terra, na sede da antiga ABIR – Associação Barbacenense de Imprensa e Rádio.
No início dos trabalhos, a ABL se reunia na residência de seu primeiro presidente, na avenida Pereira Teixeira e, quando havia sessões solenes, sua sede era transferida para locais públicos, como, por exemplo, o histórico prédio do Palácio da Revolução Liberal de 1842, palco de importantes decisões políticas do Império e uma casa de resistência nos tempos da Revolta Liberal, aqui iniciada. Atualmente, a construção abriga o Poder Legislativo de nossa cidade.
A partir do ano de 1991, em data especial que aludia ao Bicentenário de Barbacena, a ABL teve a sua sede transferida para uma das salas, a de número um, da antiga Cadeia Pública, conhecida como Casa da Cultura e localizada na rua General Câmara, número 11. O acontecimento foi ímpar para a trajetória da Academia. Todo o acervo, incluindo as obras raras, foi transferido, também melhor alocado no espaço novo, e as atividades culturais da entidade puderam ocorrer de maneira mais frequente e com maior liberdade. Recentemente, no limiar do ano de 2024 e início de 2025, por intermédio da mobilização dos acadêmicos, foram captados recursos públicos destinados às causas culturais, e, assim, o mobiliário foi substituído, atualizado, oferecendo mais conforto e acolhimento aos convidados, além de possibilitar melhores condições para cumprirmos a nossa finalidade.
Voltando à Grécia Antiga, encontramos a origem dessas guildas, quando Platão fundou a primeira academia, em 387 a.C., consciente da necessidade de criar um local de estudo, no qual o debate filosófico se realizasse, a verdade fosse privilegiada! O termo “academia” é uma referência à área, próxima de Atenas, onde a escola platônica estava situada – o Jardim de Academus. Na Antiguidade Clássica, as academias privilegiavam o aprendizado e o debate. Posteriormente, na Idade Média e no período do Renascimento, o foco foi ampliado, abarcando as múltiplas manifestações artísticas, a literatura, as ciências e a música. Também, nesse período, notamos uma expansão das atividades acadêmicas em diferentes regiões da Europa. Na Era Moderna, os sodalícios estão vocacionados para preservar e promover a cultura, o conhecimento, a verdade.
A Academia Barbacenense de Letras está constituída, segundo o modelo da Academia Francesa que, por sua vez, também serviu à organização da Academia Brasileira de Letras, a Casa de Machado de Assis, hoje presidida pelo acadêmico, escritor e jornalista, Merval Pereira. Desse modo, a Academia Barbacenense de Letras está estruturada da seguinte maneira: é composta por 40 (quarenta) cadeiras, as quais têm seus respectivos patronos e fundadores, ocupadas por associados que são denominados efetivos, eleitos pelos acadêmicos em escrutínio fechado; além de haver os associados correspondentes e aqueles que têm o statu quo de honorários.
Os sócios correspondentes residem fora da sede. Trata-se de barbacenenses ou amigos de Barbacena, que engrandecem e dão projeção à cultura e ao prestígio da cidade. Os sócios honorários são aqueles que tenham prestado relevantes serviços culturais à Academia ou à cidade.
As finalidades da ABL são:
“I – congregar os esforços daqueles que se interessam pelo progresso intelectual e artístico de Barbacena;
II – incentivar, por todos os meios, o cultivo e a divulgação das Belas Letras;
III – colaborar com os poderes públicos, tendo em vista o pleno desenvolvimento de suas atividades”, de acordo com seu estatuto vigente.
“Finis coronat opus”, do latim, o fim coroa a obra, é o lema da nossa Casa. Assertivo, o dizer reflete e nos inspira, pela grandiosa simbologia de seu conteúdo, a um fazer cultural comprometido com a preservação da memória e, consequentemente, da construção ininterrupta da identidade do povo de Barbacena, do nosso Estado e do nosso querido Brasil!
Ainda, a Academia Barbacenense de Letras tem o orgulho de ter por patrono o insigne Alberto Santos=Dumont. Ilustre habitante de nossas terras, aeronauta, esportista, sexto filho da senhora Francisca Santos e do senhor Henrique Dumont, antigos cafeicultores na Fazenda Cabangu. Homem de inteligência arguta, inventiva, devotado a um propósito, à realização de um sonho; reconhecido pela resiliência e pela perseverança – um herói nacional!
Por ocasião desta data altiva, é forçoso reverenciarmos nossa origem, nossa história recente, a nossa identidade! Como mencionado, o sodalício teve, como primeiro presidente, o professor Plínio Tostes de Alvarenga que dirigiu a ABL, por mais de uma década. Posteriormente, por iniciativa do acadêmico Geraldo Guerra, tornou-se presidente vitalício da instituição.
Plínio Alvarenga foi homem das letras, professor, criador e diretor de muitas escolas em várias cidades de Minas Gerais. No ano de 1951, foi o pioneiro do ensino profissionalizante noturno em Barbacena, inaugurando a Escola Técnica de Comércio, logo após recebendo seu próprio nome.
Autor de obras de destaque, tais como: Ensino no Brasil, passando a balizadora entre as teorias pedagógicas da época, sendo também referenciada por intelectuais como Malba Tahan. Listamos, ainda, outras de igual relevância: Nova Ortografia (1943); Ortografia e Redação (1944) e Acentuação e Pronúncia das Palavras Portuguesas (1948). O livro Português Prático, de 1953, de sua lavra, por exemplo, por seu conteúdo de fácil assimilação, foi adotado por muitos anos no curso de línguas estrangeiras da Universidade do Colorado, nos Estados Unidos da América. Esses títulos guardam o precioso registro sincrônico, no termo saussuriano, da nossa língua portuguesa, constituindo uma fonte de pesquisa e informação perenes.
O sucessor de Plínio foi Mário Celso Rios, professor universitário, memorialista, escritor, ensaísta, intelectual, autor de várias obras; materializando inúmeros prêmios em concursos literários internacionais, inclusive, com textos, tais como “London: a digression”. Pertenceu aos quadros de várias instituições que tinham como proa o ofício das letras e o da difusão cultural, envolvendo-se em investigações na área da literatura, da história e da memória cultural, prestando inestimável auxílio a estudantes e a pesquisadores brasileiros, muitos dos quais procedentes das mais diferentes regiões do país.
Mário Celso foi o presidente mais longevo da Academia Barbacenense de Letras. Conduziu a Casa, por quase três décadas, até o seu passamento, que se deu em 13 de outubro de 2020. Exerceu a presidência, doando-se integralmente, quase como em um sacerdócio, balizando-se em suas diretrizes ideológicas, que, segundo seus termos, assim se colocavam: “manter o espírito da instituição, promover a literatura como meio de crescimento social e humano, fazer com que Barbacena continue a crescer como polo cultural e distribuidor daquilo que merece ser repartido”.
Mário Celso advogava que, a despeito das vicissitudes, a ABL continuaria a crescer, a construir o caminho, pois se tratava, e se trata, de uma instituição que sempre evidenciou um ideário próprio, não se atendo a nomes ou a outros interesses que não aqueles forjados pelo seu estatuto e regimento; também por vir se mantendo leal à promoção da causa do livro; à reflexão, “ao debate e às ciências, repudiando o preconceito e todas as formas de dominação”, que pudessem “embotar o espírito, a inteligência e a liberdade”, obliterando, por conseguinte, o exercício do livre pensamento crítico e imprescindível!
Paulo Roberto Maia Lopes, médico, advogado, tradutor, ensaísta, escritor, poliglota, pensador, autor de várias publicações em múltiplos meios de difusão, assumiu o sodalício, deixando a posição de vice-presidente. Aterrado, como todos o estávamos, pelo desaparecimento precoce de nosso presidente. Entretanto, Paulo Maia se notabilizou por imprimir seu espírito firme, corajoso, diante dos desafios que se agigantaram, incitando a Academia a enfrentá-los, a se impor, a ousar! Palavras de ordem, registradas naquele momento.
Maia Lopes contribuiu, sobremaneira, na arquitetura de pilares sólidos sobre os quais a adequação da Casa pudesse ser erigida, visto que imperativos de diversas ordens, àquela altura, se avizinhavam, interpondo-se à perenidade da instituição, turvando a perspectiva de futuro, sua própria existência…
Pelo esforço contínuo, incansável, dos acadêmicos da ABL, contudo, um renovado e promissor horizonte se fez realidade. A ABL se reorganizou, em atendimento às novas demandas legais que circunscrevem as instituições dessa natureza, obtendo maior reconhecimento de órgãos públicos e acesso a recursos específicos para o desenvolvimento de sua atividade fim. Retomamos a publicação do anuário que se apresenta como um veículo imprescindível de interlocução entre a Academia e o público. Abrimo-nos para o mundo com a criação da página na rede mundial de computadores e com a entrada nas redes sociais, imperativos de sobrevivência e de permuta na modernidade!
Intensificamos a variedade de eventos culturais em nossa sede. Firmamos parcerias com entidades congêneres, a fim de nos fortalecer na missão e também de auxiliar nas nobres causas que todos abraçamos. Contribuímos para materializar ações extensionistas de instituições públicas e privadas de ensino. Resgatamos obras raras de autores seminais para a nossa história. Partilhamos dados para o desenvolvimento de um sem-número de pesquisas memorialísticas e acadêmicas sobre personalidades que impactaram a vida, a cultura e os costumes brasileiros, sobretudo em tempos de exceção…
Realizamos, em caráter colaborativo, o primeiro Festival Literário de Barbacena, estreitando os laços de fraternidade com confrades de outras instituições da região e do estado de Minas Gerais. Participamos, continuamente, em vários outros eventos afins, na cidade e fora dos limites dela, rompendo, ainda, as divisas e as fronteiras!
A Academia Barbacenense de Letras também se remoçou. Conforme os termos de seu estatuto, acolheu novos confrades e novas confreiras que chegaram para somar seus conhecimentos, suas experiências, suas vivências, suas obras, a disponibilidade, a energia, o ímpeto e a vontade de se doar para o operariado das letras, principalmente, guarnecendo as tradições que, até aqui, vimos construindo. Cada qual é ímpar e muito bem-vindo!
A ABL segue, ainda, atenta à realidade. Vigilante! Estamos em tempos digitais, tempos de “Inteligência” Artificial, de algoritmos, ou da Era da Pós-verdade… O neologismo deita raízes na língua de Shakespeare, e podemos defini-lo, invariavelmente, também pela desconfiança na mídia tradicional, em meio à polarização e à radicalização. O contexto instaurado, assim, apresenta forte apelo à emoção, à repetição massiva e à amplificação de “informações”. Os fatos objetivos são revelados com pouca, quase nula, influência na formação da opinião pública.
A verdade factual passa a um estado secundário na relação estabelecida com as crenças das pessoas. Daí, toda sorte de teoria da conspiração numa paralaxe cognitiva, uma espécie de descolamento da realidade… A Pós-verdade pode distorcer os fatos, por intermédio dos recursos disponibilizados pelas Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs), não obstante nos confrontando com a mistificação, com a ideologização, revelando-os seletivamente.
Não tratamos de liberdade de expressão, conceito distorcido porque pretensamente absoluto, quando o próprio aparato jurídico do país não se compõe de diplomas legais com tal qualidade. Tratamos, sim, de uma liberdade de expressão às avessas, estranha ao nosso ordenamento, uma vez que somos responsáveis por tudo aquilo que falamos, escrevemos e registramos…
Consequentemente, o debate público, o desvelamento do pensamento crítico, denso, que, forçosamente, deve estar lastreado em evidências, flagra-se mutilado e insipiente, sem deixarmos de perceber a mácula ao Estado democrático de Direito, à saúde de suas instituições e da democracia, uma conquista inegociável, inalienável! Esse é o desafio, que posto está! Ou, nos termos de Merval Pereira: “mais informação e menos conhecimento, e, sobretudo, pouca reflexão”…
A Academia Barbacenense de Letras tenciona permanecer como uma mediadora nessas conflagrações do seu tempo por meio de sua múltipla evolução. Permaneceremos, obstinados, pela guarda e estudo da nossa língua, também nas suas ricas variantes; pela promoção da literatura; pela instauração da memória; pelo fomento à reflexão intelectual; pelo estímulo à produção cultural; pela valorização das vozes comunitárias, pois que nossos acadêmicos-intelectuais têm por sua faina: produzir e sistematizar o saber; analisar criticamente a realidade; promover a discussão pública; subsidiar a transformação social; e se transmutar numa bússola ética, sem, todavia, se prenderem às efemeridades, às paixões, às veleidades!
Por essa razão, a Casa de Santos=Dumont e a nossa Casa, não é um fim em si mesma. Respeita as visões divergentes, acolhe a verdade, contida no dogma do pluralismo e da tolerância e, ainda, mantém seu propósito estatutário. Isso, por si só, prova sua presença inequívoca no seio da nossa terra que nos abriga, conferindo-nos a honrosa deferência!
São quarenta e oito primaveras, florescendo sempre! Quarenta e oito anos que revelam sua instigante vitalidade! Reverenciemo-la, pois! Que possa seguir, a nossa Academia Barbacenense de Letras, adornada pela memória, língua, cultura, identidade, lídimos penhores da nossa liberdade e soberania!
Viva a Academia com todas as Letras!!!
Rodrigo Tostes Geoffroy
Presidente da Academia Barbacenense de Letras