A glória de alguns, o silêncio sobre outros: o que o Brasil escolhe celebrar

Moisés Mota

Artigo originalmente publicado na página da Academia de Ciências e Letras de Conselheiro Lafaiete.

Reprodução autorizada

Moisés Mota, Presidente da Academia de Ciências e Letras de Conselheiro Lafaiete

Segue o Brasil em constante alegria e venturosa harmonia, torcendo pelas conquistas na Academia de Artes e Ciências Cinematográficas com a cobiçada estatueta do Oscar. O filme Ainda Estou Aqui, do cineasta Walter Salles, está no páreo com indicações para: Melhor Filme (o primeiro brasileiro a figurar nesta categoria), Melhor Filme Estrangeiro e Melhor Atriz.

A celebração tomou outra dimensão a partir do reconhecimento de Melhor Atriz para Fernanda Torres pela Associação de Imprensa Estrangeira de Hollywood com o troféu Globo de Ouro. O justo prêmio certifica a qualidade artística de Torres na primorosa interpretação de Eunice Paiva, advogada e viúva do deputado federal Rubens Paiva, assassinado durante a ditadura militar. A premiação gerou um frenesi gigantesco, unindo o país em um coro gigantesco que potencializou a partir da indicação ao Oscar 2025 gerando o meme: “totalmente indicada ao Oscar

Essa comunhão de sentimentos em torno de um grande evento não é inédita. Algo semelhante ocorreu na África do Sul, em 1995, quando Nelson Mandela utilizou o rúgbi — um esporte historicamente associado à segregação — para ressignificá-lo e unir os sul-africanos na vitória do torneio mundial. Esse momento foi simbólico para a redemocratização da nação pós apartheid.

O Brasil, por sua vez, vive seus próprios desafios de divisão social. O debate público frequentemente se estrutura na oposição entre “nós” e “eles”, onde cada grupo define seu “eu coletivo” em contraste com o outro. Nesse contexto, as torcidas e narrativas se tornam instrumentos de identificação e pertencimento.

Assim, o sucesso de Ainda Estou Aqui, dirigido pelo afamado Walter Salles, reacende memórias de outra grande noite para o cinema nacional. Há mais de duas décadas, ele pisou no tapete vermelho de Hollywood ao lado de Fernanda Montenegro, indicada ao Oscar por Central do Brasil após ter sido premiado com o Globo de Ouro de Melhor Filme Estrangeiro em 1999. O país inteiro acompanhou o anúncio do prêmio com grande expectativa, mas, infelizmente, ficou apenas com a indicação.

Agora, a mãe vê a filha seguir a mesma trajetória de êxito. Todos aguardam ansiosos pela noite do Oscar, com a mesma vibração de uma final de Copa do Mundo. Entretanto, enquanto Fernanda Torres mantém a discrição, evitando euforias, seus admiradores se mobilizam em sua defesa organizados em  verdadeiros exércitos virtuais, promovendo-a à conquista da desejada estatueta.

Esse movimento, no entanto, revela facetas menos nobres da torcida. Recentemente, Karla Gascón, também indicada a Melhor Atriz, teve episódios polêmicos de seu passado ressuscitados nas redes sociais, em uma tentativa de enfraquecer sua candidatura. A polarização transforma a premiação em uma arena de embates, onde destruir o outro parece mais importante do que celebrar a própria vitória. Esse comportamento nos leva a uma reflexão: a torcida, por vezes, diz mais sobre nós do que sobre eles.

A escritora Nélida Piñon já apontava esse dilema em Coração Andarilho, ao afirmar: “Não aceito demolir sem reconstruir. Aliás, aspiro a agregar esperança ao que já existe”. A própria Fernanda Torres demonstrou essa postura ao relativizar qualquer animosidade entre ela e Gascón, distanciando-se do antagonismo criado em seu nome e afirmando a admiração e torcida pela protagonista de Emilia Pérez.

Se o mesmo entusiasmo voltado para o Oscar fosse direcionado a outras conquistas nacionais, como seria a valorização de nossos talentos intelectuais? Nélida Piñon (1937-2022), por exemplo, é uma das maiores escritoras da língua portuguesa com diversos reconhecimentos internacionais que a tornaria uma forte candidata ao Prêmio Nobel de Literatura. Seu amor inabalável pela língua pátria e sua dedicação à literatura brasileira justificariam uma mobilização semelhante à que vemos agora.

Além disso, em 2014, Artur Avila tornou-se o primeiro latino-americano a conquistar a Medalha Fields, o maior reconhecimento na Matemática, e, recentemente, a historiadora Laura de Mello e Souza foi premiada pelo Conselho do International Committee of Historical Sciences. No entanto, suas conquistas foram celebradas com muito menos fervor do que o que testemunhamos na corrida pelo Oscar. E sigo convicto que outras conquistas, de igual valor, estão sendo esquecidas neste breve artigo e me desculpo por isso.

A grandiosidade de um povo também se mede pela diversidade das suas celebrações. Se hoje o Brasil se une em torno de Ainda Estou Aqui, que essa mesma energia inspire o reconhecimento de outros brasileiros que não fogem à luta. No fim, como mostrou Mandela em 1995, o que nos fortalece não é a rivalidade, mas a capacidade de transformar torcidas em propósitos comuns.

NOTA DA REDAÇÃO: MOISÉS MOTA é Jornalista, Presidente da ACLCL, associado do Inst. Histórico e Geográfico de Minas Gerais e do PEN Internacional