Apologia de Altair José Savassi
Apresentada no dia 25 de abril de 2014
Centenário de Nascimento de Altair José Savassi
1914 – 2014
José Silvério Ribeiro
Ilmo. Sr. Presidente da Academia Barbacenense de Letras,
Acadêmico Mário Celso Rios,
Autoridades que compõem esta mesa,
Membros da ABL,
Senhoras e Senhores,
A História é a ciência que estuda o Homem e sua ação nas mais variadas épocas e no espaço. A História, senhora dos tempos, encerra em si, a análise dos eventos ocorridos no passado. A palavra história tem sua origem nas investigações de Heródoto (485 a.C e 425 a.C.), cujo termo em grego antigo é Ἱστορίαι (Historíai) e remonta ao tempo em que os homens encontraram os elementos de sua existência nas realizações dos seus antepassados ali também inserindo situações fantásticas e comportamentos heroicos.
O indivíduo que estuda e escreve a História e pode ser considerado uma autoridade nesse campo, pode ser denominado historiador, isto é, aquele que se preocupa com a narrativa contínua e metódica. Também é assim denominado aquele produz narrativa que pode ser descontínua e subjetiva, bem como, a pesquisa dos eventos passados relacionados ao ser humano, e ao estudo dos eventos ocorridos, considerando-se motivações, fatores internos e externos, bem como as influências recebidas e emitidas por um determinado grupo social. Embora o termo historiador possa ser usado para descrever tanto os profissionais quanto os amadores da área, costuma o referido a ser reservado para aqueles que obtiveram uma graduação acadêmica na disciplina. Alguns historiadores, no entanto, são reconhecidos principalmente pelo mérito em sua experiência no campo de anotar, catalogar e registrar o legado de um povo ou de uma civilização determinada. Ou mesmo registrar os livros que possam existir sobre a História como fez o intelectual José Honório Rodrigues (1913-1987).
Mas, o que forja um historiador? Quais são os elementos que ativam na mente de um pesquisador autêntico, buscar fatos passados e com eles, construir uma obra de referência para o futuro? É esta uma indagação que condiz com o nosso momento histórico e com o objetivo desta nossa Apologia de Altair José Savassi.
Para se compreender melhor o presente, não se pode menosprezar o passado e assim, termos perspectivas de um porvir em que não possamos perder ou tirar do foco a esperança.
O amante da linha do tempo, o curioso que busca entender a vida presente, antes mesmo de pensar no futuro, é um estudioso da História. Aquele que busca entender a sociedade a sua volta, que quer compreender os fatos que influenciaram na tomada de uma decisão, que quer entender em sua essência a sociedade e a sua evolução é um historiador. Aquele que ama a humanidade e quer entende-la é um historiador.
Amar a sociedade, nutrindo por ela uma atenção especial através do estudo de seus aspectos singulares é antes de tudo prova de evolução de um considerado povo. Também é possuir uma devoção incomensurável ao estudo e, principalmente, tornar esse hábito de pesquisa um
prazer indescritível, mesmo quando espinhos ou horas de trabalho cansativo fiquem transfiguradas em bálsamo para o intelecto, quando uma descoberta é feita ou quando um documento vem a lume para sanar lacunas ou tirar dúvidas sobre as motivações de um determinado acontecimento de relevo.
Os homens sociáveis e cientes de quem são, podem ser indivíduos luminosos, porque fazem de sua relação com o espaço e o tempo motivo para se estudar a condição humana e a transformar em oportunidade de reflexão sobre o dia a dia ou o que apresenta de curioso ou incomum uma determinada comunidade. Quem estuda as ações e comportamentos tenta perceber a essência da criação divina, o homem e a sua potencialidade transformadora nessa sua passagem terrena. Portanto, é História as balizas do nascimento e da morte de cada ser, não se descuidando do que o caracterizou nesse ínterim. Os homens que estudam nossa espécie são sensíveis às transformações da sociedade, e em sua ânsia de conhecimento, querem de certa forma voltar no tempo, para ver em detalhes o que foi construído, destruído ou transformado. A curiosidade essencial do historiador reside nessa busca incansável pelo passado, como algo rico, original e basilar para se compreender o contemporâneo.
Altair José Savassi (1914-2003)i foi sensível às transformações da sociedade de seu tempo. Era um estudioso e tinha estilo peculiar. Inês Piacesi (1895-1981) foi quem melhor descreveu a personalidade de Altair José Savassi, quando o jovem político comemorava seu aniversário, ao ser empossado Prefeito de Barbacena, em 1946:
“O mais moço, dentre os moços administradores de Municipalidades, ele enche de orgulho nossa bem brasileira, bem barbacenense sensibilidade, porque o Prefeito é a ‘menina dos olhos’ do seu povo… Mas, si para ser chefe e administrador, uma primordial coisa basta: simpatia, alto conceito e sincera estima de seus conterrâneos, pode Altair Savassi ficar sossegado… e não podia ter sido diferente. Modesto e simples, dócil e desprendido, inatingido e inatingível de paixões pessoais, solícito e bondoso sempre, com o frescor ainda incontaminado da juventude sadia das almas bem formadas, honesto e nobre de coração.”ii
Altair José Savassi, natural de Barbacena, nascido de família imigrante, desde cedo recebeu os ensinamentos e uma educação esmerada, dir-se-ia assim, daquela modalidade que forja os verdadeiros homens de bem, necessários ao desenvolvimento da sociedade. Era filho de Amílcar Savassi (1876 -1973), o patrono da sericicultura no Brasil e de Regina Roman Savassi (1884 -1963). Cresceu vivenciando o trabalho dedicado do pai, devotado ao estudo e à disciplina. Do mesmo, herdou o gosto pela História e pela preservação de documentos. Altair casou-se em 1943 com Déa Arlete Sad Savassi, com quem teve três filhos e com ela viveu intensamente. O amor à família e aos filhos ainda é mantido na mente de seus netos e bisnetos, pelo que se tem podido constatar.
Altair José Savassi obteve o bacharelado em Direito pela Universidade de Minas Gerais (1935). Foi Delegado de Polícia e Delegado Especial (1938), angariando respeito. Lecionou por muitos anos no Ginásio Mineiro de Barbacena (1947), na EPCAR (1949) e na Escola Agrícola de Barbacena (1947). Meticuloso e organizado por natureza, montou importante núcleo bibliográfico, contendo valiosa hemeroteca, se analisado isso for pelos padrões brasileiros.
É de sua autoria várias obras, destacando-se como marco inicial o “Resumo Histórico do Município de Barbacena” (1954), fruto de uma conferência que proferiu dois anos antes, acerca
das comemorações do aniversário da cidade, trabalho esse que foi base para uma posterior publicação de vulto, intitulada “Barbacena _ 200 Anos”, em dois volumes (1991). Membro efetivo da Academia Barbacenense de Letras (sócio fundador, 18-12-1977), da Academia Municipalista de Letras (BH), da Academia de Letras de São João del-Rei ( 29-01-1978) , Academia Anapolina de Filosofia, Ciências e Letras (30-10-1985) e do Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais (BH).
Altair José Savassi foi um notável defensor de Alberto Santos Dumont (1873-1932), como atestam seus artigos produzidos para o Anuário da ABLiii e manteve com o pesquisador Oswaldo H. Castello Branco (1906-1997)iv marcante polêmica sobre o sítio em que O Pai da Aviação teria nascido. Recebeu a Medalha Santos Dumont, oferecida pelo Governo de MG (23-10-1980) e Medalha e o Diploma de Mérito Santos Dumont, do Ministério da Aeronáutica (17-06-1987). Entre outras contribuições, a partir de sua coleção de jornais e por um trabalho paciente de análise de periódicos por ele empreendido, foi possível se completar as lacunas dos primórdios da História de Barbacena, no que tange aos poderes constituídos de então, e todo o seu acervo serviu de alicerce para a criação, em 2003, do Arquivo Histórico Municipal que também leva seu nome.
Destacam-se como parte muito expressiva de seu legado:
1) O acervo do Arquivo Histórico Municipal Professor Altair José Savassi com coleção catalogada e organizada, compondo mais de 225 títulos, mais de 2.000 exemplares avulsos, contendo jornais de outras 23 cidades da região.v
2) Barbacena _ 200 Anos, um trabalho histórico, em dois volumes, contendo uma linguagem acessível, sendo sua leitura leve e trazendo subsídios para a História de sua terra.
Mas, certamente, a mais significativa expressão a favor de seu trabalho partiu de Honório Armond (1891-1958), também denominado “Príncipe dos Poetas Mineiros”, quando prefaciou o Resumo Histórico de Barbacena em 1952:
“O interessantíssimo trabalho que aqui vai a público e que, apesar da modéstia de seu autor e de sua aparente simplicidade se reveste de muita importância como ensaio histórico de clara e marcante relevância. Altair Savassi tem a fibra de um historiador, pois nele sobram as qualidades maitresses de quem faz História: Curiosidade, paciência, imparcialidade e faro para separar o trigo opulento da palha leve e inútil…”vi
Na sede da Câmara Municipal de Barbacena, para se comemorar o aniversário da cidade, Altair José Savassi organizou a exposição de exemplares de alguns jornais antigos de sua coleção, tal iniciativa teve repercussão em todo o Estado de Minas Gerais. Também a publicação de sua conferência sobre o Resumo Histórico de Barbacena, em 1954, gerou crítica positiva:
“Vêem-se muitos ‘álbuns’ de municípios. Neles, entretanto, pouca coisa se salva como boa informação histórica, merecido a desconfiança para a consulta ou referência… recebemos agora, editado pela Prefeitura de Barbacena, um modesto folheto sobre aquele grande e próspero município, com um resumo de sua história… é seu autor o Sr. Altair José Savassi, barbacenense inteligente e culto e que, sobretudo, ama a sua terra, o que é essencial aos que se entregam a tais iniciativas, que exigem muito devotamento”vii
Creio que outro importante papel possui o estudioso da História, quando até sem intenção expressa, desperta para as gerações futuras o interesse pela História, através de um parágrafo objetivo, de uma curiosidade de valor historiográfico publicada num jornal ou através de uma foto antiga divulgada, entre outros aspectos. Mesmo, não possuindo eu o privilégio que muitos tiveram de conhecer pessoalmente Altair José Savassi, ele me despertou o interesse pela História, quando tive pela primeira vez em minhas mãos a obra “Barbacena – 200 Anos”.
Pessoas dedicadas na análise de objetos, documentos e sinais de todos os tipos que comprovam a existência de um povo, trazem detalhes muitas vezes inéditos em sua trajetória, pois produzem obras que desafiam o tempo. Posso frisar que Altair José Savassi enquadra-se nessa categoria. Frente a uma sociedade cada vez mais complexa, num mundo imediatista que pouco valoriza o passado e que raramente reverencia a herança de seus ancestrais, figura no vulto que destaco nesta Apologia, um ser que, além da imagem, traz sua contribuição para se compreender nossa História, entretecida de luzes e sombras, mas que retrata quem realmente somos.
Com certeza, o trabalho de Savassi não apenas engrandece nossa formação cívica ou Barbacena e seu povo, mas há de fazer-se marca indelével daquilo que foi erguido outrora e poderá servir ainda de base para a construção do futuro mais ousado.
Apanhados coligidos por Altair José Savassi, nas obras que produziu, lançaram sementes para importantes pesquisas posteriores. O carinho, a elegância e a cordialidade eram seus atributos e o faziam, inegavelmente, um gentleman, afortunado pelas amizades que construiu, pelo respeito que angariou, não apenas dos mais próximos, mas da coletividade. Seu trabalho é reconhecido, não apenas na região em que viveu Correia de Almeida (1820-1905), porém em Minas Gerais. Honrou o seu sobrenome, valorizou suas origens e tem enaltecido até hoje o Brasil.
Seu exemplo, de abnegado historiador e estudioso de nossa cultura e de nossa gente, ainda pode servir de inspiração para não nos furtarmos do dever de continuar a registrar com amor as venturas e vicissitudes de nosso povo. Que sua herança cultural, continue a nos fortalecer para que tenhamos uma sociedade mais justa, solidária e principalmente, cônscia de sua identidade. Sua obra e sua vida são referenciais para os homens de bem, daqueles práticos homens de bem, que buscam a verdade e a honra.
Inspiração e confiança de que, assim agindo, dias melhores são possíveis, e que certamente virão.
A todos muito obrigado.
Barbacena, 25 de abril de 2014.
José Silvério Ribeiro é membro efetivo da Academia Barbacenense de Letras, ocupante da Cadeira Nº 2, cujo Patrono é AMILCAR SAVASSI (1876-1973), sendo seu primeiro ocupante Altair José Savassi, a quem sucede.
Apologia proferida por ocasião do centenário de nascimento de Altair José Savassi (1914-2003).
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Referências:
i A atuação política de Altair José Savassi é intensa e claramente posicionada. Merece estudos próprios e por questão de pertinência não se tece maiores considerações na presente Apologia (NOTA DO AUTOR).
ii Cidade de Barbacena, Barbacena. Edição de 14 de abril de 1946, pág.3.
iii Anuário 1987 – Academia Barbacenense de Letras – Coordenador Plínio Tostes Alvarenga, pp. 5-13. Editora Cidade de Barbacena.
iv
v Fonte: Francisco Rodrigues de Oliveira em texto e depoimento fonocaptado em19/03/2014.
viSAVASSI, Altair José – Barbacena 200 anos – 2ª Edição – Belo Horizonte – Editora Lemi S.A., 1991, pág. 25.
vi Estado de Minas (Belo Horizonte), 27 de janeiro de 1954.
Bibliografia:
CASTELLO BRANCO, Oswaldo H. – Uma cidade à beira do Caminho Novo. Ed. Vozes Ltda. 1998. 320p, ilustr.
SAVASSI, Altair José. _ Anuário Academia Barbacenense de Letras. 1981. Aonde foi mesmo que nasceu Santos Dumont? Coordenador Plínio Tostes de Alvarenga. Gráfica e Editora Jornal Cidade de Barbacena, págs. 5 -8.
SAVASSI, Altair José._ Anuário Academia Barbacenense de Letras. 1982. Amílcar Savassi – Patrono da Cadeira nº 2. Coordenador Plínio Tostes de Alvarenga. Gráfica e Editora Jornal Cidade de Barbacena, págs. 7-8.
SAVASSI, Altair José. _Anuário Academia Barbacenense de Letras. 1984. Barbacena – A imagem de Nossa Senhora da Piedade e o impasse de Campolide. Coordenador Plínio Tostes de Alvarenga. Gráfica e Editora Jornal Cidade de Barbacena, págs. 3-4.
SAVASSI, Altair José. _ Anuário Academia Barbacenense de Letras. 1987. Alberto Santos Dumont – Patrono da Academia Barbacenense de Letras. Coordenador Plínio Tostes de Alvarenga. Gráfica e Editora Jornal Cidade de Barbacena, págs. 5 -13.
SAVASSI, Altair José._ Anuário Academia Barbacenense de Letras. 1990. Hóspedes Reais em Barbacena. Uma dádiva inesquecível e um achado curioso. Coordenador Plínio Tostes de Alvarenga. Gráfica e Editora Jornal Cidade de Barbacena, págs. 3-5.
SAVASSI, Altair José._ Anuário Academia Barbacenense de Letras. 1991. Honório Armond – O centenário de seu nascimento. Coordenador Plínio Tostes de Alvarenga. Gráfica e Editora Jornal Cidade de Barbacena, págs. 3-6.
SAVASSI, Altair José._ Anuário Academia Barbacenense de Letras. 2001-2002. Um perfil: Amílcar Savassi. Organizador Mário Celso Rios. Gráfica e Editora Mantiqueira. Capa, Centro Gráfico Editora, págs. 23-25.
SAVASSI, Altair José._ Barbacena 200 anos – Belo Horizonte. Editora Lemi S.A., 2ª ed. Ilustr. 2 Vols. 1991.
SAVASSI, Altair José._ Personalidades em Destaque. 1998. Publicação do Poder Legislativo. Câmara Municipal de Barbacena. 1988, 96 páginas.
Arquivos e Acervos:
1- Academia Barbacenense de Letras (pesquisas realizadas de 11-2013 a 04-2014).
2- Arquivo Histórico Municipal Professor Altair José Savassi.
3- Biblioteca Pública Municipal Honório Armond (visitas e consultas de 03-2014 e 04-2014).
4- Acervo da Família Savassi (Déa Arlete Sad Savassi e Eliane Maria Sad Savassi
Fonseca).
Agradecimentos e subsídios:
Angela Maria Rodrigues Laguardia
Edna Maria Resende
Eliane Maria Sad Savassi Fonseca
Evandro Aléssio Rodrigues Pereira
Francisco Rodrigues de Oliveira
Lucilene Zonzin
Mário Celso Rios
Mônica Castello Branco
Simone Paulucci
Rodrigo Tostes Geoffroy.
Academia Barbacenense de Letras – ABL
Agência Municipal de Desenvolvimento Integrado de Barbacena e Região – AGIR.
Arquivo Histórico Municipal ‘’Professor Altair José Savassi”
Biblioteca Pública Municipal Honório Armond
Escola Preparatória de Cadetes do Ar – EPCAR
Fundação Casa de Cabangu
Família Savassi
Gráfica e Editora Cidade de Barbacena.
“Casa da Cultura” Ilustração de Waldir Damasceno no livro “Cores de Barbacena, uma viagem pela história da cidade”, página 113 (Cadeia Velha – década de 1930 / atual Casa da Cultura Municipal). Técnica: Aquarela/nanquim s/ papel debret – 56×37 cm – desenho e pintura a partir de foto
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