Dia 24 de abril de 2023: hoje devemos nos lembrar de Geraldo França de Lima, sexto ocupante da Cadeira 31, da Academia Brasileira de Letras e um barbacenense de coração e alma.
por Edson Brandão
Quando percorremos as páginas do romance “Serras Azuis” (1961) de Geraldo França de Lima, que só foi publicado por insistência do “irmão” , João Guimarães Rosa, temos em mãos uma versão sertaneja de Romeu e Julieta, afinal trata-se de uma bem urdida narrativa adaptada de um conflito real ocorrido em 1892, na cidade de Catalão, estado de Goiás, no qual duas famílias, Paiva e Roldões disputam o poder em meio ao calor de uma guerra sangrenta, com muitas mortes, mas também com a inusitada paixão entre seus descendentes. Além dos lances de amor impossível, a política também aparece na obra. Personagens como o coronel Eleodegário e seu rival, Rivaldino Paleólogo são claramente inspirados no ex-governador mineiro e ex-ministro da Justiça, José Francisco Bias Fortes, tio da mulher de França de Lima e no líder Zezinho Bonifácio, da Família Andrada. Estes, personagens reais do embate político mais tradicional de Minas e que o autor conhecia bem de perto, desde os tempos de estudante na mineiríssima Barbacena, cercada por suas “serras azuis”.
Nascido em Araguari, no Triângulo Mineiro, em 24 de abril de 1914, e falecido no Rio de Janeiro, em 22 de março de 2003, aos 15 anos de idade veio para Barbacena, matriculado pela família no internato do Ginásio Mineiro. Segundo sua biografia oficial, que consta na página da Academia Brasileira de Letras: “ali permaneceu por cinco anos, distinguindo-se no aprendizado de línguas e sendo um dos mais assíduos frequentadores da biblioteca. O seu primeiro escrito, descrevendo a viagem, que demandou cinco dias, pela antiga Estrada de Ferro Oeste de Minas, de Uberaba a Belo Horizonte, foi publicado no jornal Araguari. Em 1932, os estudantes do último ano do ginásio, levados pela efervescência cultural de Barbacena, transformaram o grêmio literário no grupo literário Arcádia Ginasiana de Letras. Geraldo França de Lima foi eleito seu presidente e diretor do jornal O Quépi, seminário de ideias em Barbacena. Nesse jornal, apareceram suas primeiras poesias. Em Barbacena, na Quarta-feira santa de 1933, conheceu por acaso João Guimarães Rosa, capitão-médico do 9º BCM da Força Pública Mineira, e uma fraterna amizade logo os uniu. Em 1934, no Rio de Janeiro, ingressou na Faculdade de Direito da Universidade do Brasil e obteve o primeiro emprego, como revisor do jornal A Batalha, de Júlio Barata, estreando também como articulista. Em 1935, Bastos Tigre publica suas poesias na revista Fon-Fon. Longe, ainda, de se tornar escritor, Geraldo França de Lima continuava sendo inveterado frequentador de bibliotecas e livrarias.
Em 9 de dezembro de 1938 colou grau de bacharel em Ciências Jurídicas. Depois de rápida passagem por Araguari, voltou para Barbacena, como professor do Ginásio Mineiro, nomeado pelo governador Benedito Valadares. Em Barbacena, nos dias incertos da Segunda Guerra Mundial, conheceu o escritor francês Georges Bernanos, de quem se tornou amigo e confidente. Ali, iniciou vagarosamente todo o plano da obra literária.
Em 1951, acompanhando o Ministro da Justiça Bias Fortes, retornou definitivamente ao Rio de Janeiro, sendo nomeado advogado da Estrada de Ferro Central do Brasil, de onde passou para a Procuradoria Geral da República e daí para a Consultoria Geral da República. Reapareceu no Diário de Notícias, com o poema “Saudades sugeridas”. Em 1960, Paulo Rónai abriu-lhe as colunas de “Comentário”, publicando o artigo “Com Bernanos no Brasil”, de larga repercussão no exterior, considerado importante depoimento sobre o escritor francês.”
No Rio de Janeiro, onde vivia, mas sem jamais se afastar de Barbacena, foi professor do Colégio Pedro II e da Faculdade de Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Com a influência política da Família Bias Fortes foi assessor dos presidentes Juscelino Kubitschek e Tancredo Neves.
Em 1961, durante um almoço familiar, Guimarães Rosa, que considerava França de Lima como um “irmão”, encontrou casualmente na escrivaninha do escritório os originais do romance que viria ser “Serras Azuis”. Mineiramente, Rosa levou-os consigo e após ler o texto até a madrugada, telefonou sem demora para a esposa do escritor e sentenciou: “Ou muito me engano ou estou na frente de um grande romancista.” Depois desse romance de estreia vieram outros: Brejo alegre (1964); Branca Bela, (1965); Jazigo dos vivos (1969); O nó cego (1973); A pedra e a pluma, (1979); A herança de Adão (1983); A janela e o morro (1988); Naquele Natal, romance histórico (1988); Rio da vida (1991); Folhas ao léu, contos (1994); Sob a curva do sol, (1997); Os pássaros e outras histórias (1999) e o derradeiro, O sino e o som (2002). Ocupou a Cadeira 31 da ABL, eleito em 30 de novembro de 1989, na sucessão de José Cândido de Carvalho e foi recebido em 19 de julho de 1990 pelo Acadêmico Lêdo Ivo. Já idoso, perdeu a visão, mas mesmo assim não parou de produzir literatura, com a ajuda da esposa Lígia Bias Fortes da Rocha Lagoa França de Lima, a quem ditava seus textos.
NOTA: Edson Brandão é membro efetivo da Academia Barbacenense de Letras
Foto: Portal de Araguari. Reprodução.