José Rodrigues Valle

“A vida que mostramos aos outros é apenas um detalhe da vida que profundamente vivemos”.  E é, em nome desta verdade que não poderei iniciar esta apologia  sem   justificar o quanto ela resulta  das solicitações do coração, juiz absoluto de todas as sentenças. Certamente, pela minha formação, sempre estive envolvida com o mundo da literatura onde as palavras são o eterno veículo das emoções. Assim, impossível negar que ao ser convidada a ocupar uma cadeira da Academia Barbacenense de Letras  senti -me honrada e feliz. Sentimento que, num misto de orgulho, também envolveu muito de perto, meu pai, um intelectual. Em nome de uma coerência lógica, a escolha de meu patrono seria de minha responsabilidade e passaria por nomes  cujas produções despertavam  em mim, muito mais que encantamentos. No entanto, a afetividade se sobrepôs, levando – me a reverenciar aquele que, desde muito cedo, havia sido meu estímulo e mentor no mundo das letras.  Este momento é  para ele.  Justo por obedecer a um sentido íntimo de gratidão e atender à sugestão paterna,  é que estou lhes falando de JOSÉ  RODRIGUES  VALLE,  patrono da Cadeira 34, ocupada por mim.

Assim, o  escolhido, sua vida, seus méritos,  passaram  a fazer parte de meu cotidiano e, à medida que mergulhava neste universo, fui sendo conquistada,  por suas inegáveis qualidades. Não podia ser diferente. Barbacenense, nascido em 1898, terceiro filho do casal Francisco Hermenegildo Rodrigues Valle e Maria Augusta Campos Rodrigues Valle. Seus pais se casaram em 11 de fevereiro de 1893 na Capela de São Sebastião do Torres  e, um ano mais tarde, nesta mesma data, já teria sido batizado o primogênito Flausino dos Reis Rodrigues Valle, que se consagraria no panorama mundial como  compositor e violinista. José Rodrigues Valle se casou com  Ady  Pinheiro Valle  ( nascida Pinheiro de Andrade), filha de tradicional família  juizdeforana, tendo sua descendência se inspirado nos mesmos caminhos do progenitor. Em 17 de dezembro de 1957, aos 59 anos, veio a falecer no Rio de Janeiro. Seu sepultamento, com a presença de amigos, admiradores, colegas e ex alunos, ocorreu sob forte comoção provocada pelos inúmeros pronunciamentos à beira do túmulo.

Certo é que JOSÉ RODRIGUES   VALLE nasceu em um reduto familiar onde,  ele e seus nove irmãos conheceram uma educação severa, amoldada às dificuldades de uma vida modesta.   E,  onde também, as pessoas eram genuinamente portadoras de muita inteligência, sensibilidade e consciência cultural. O pai dedicava -se  à clarineta enquanto a mãe tocava piano e cantava, atributos próprios de pessoas sensíveis, ainda aprimorados pela religião que os levou a integrar o elenco de orquestras sacras.  Este panorama nos permite perceber que a simplicidade e a modéstia não   se lhes  distanciaram de uma rica mundividência . Tanto que muitos de seus irmãos  também se dedicaram  à musica e  a outros  estudos superiores.

Rodrigues Valle, seguindo esta  mesma diretriz , formou – se em Direito e Ciências Econômicas, tornando –  se um expert em vários setores destas áreas do conhecimento. E, ainda, atendendo  às experiências autodidatas, mergulhou com arguta tenacidade pela antropologia, pela biogenética, pela admiração às artes plásticas e, por alguns outros caminhos que lhe revelassem  detalhes mais recônditos da alma humana. Este seu currículo associado a uma vocação nata, levou – o à cátedra na Faculdade Nacional de Direito, na Faculdade Nacional de Arquitetura, na  Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade do Brasil e na faculdade de Ciências Econômicas do Rio de Janeiro, antiga Universidade do Distrito Federal.

Sendo dotado de uma inteligência incomum e uma curiosidade singular, sempre manteve um olhar voltado para o futuro, tanto que aos 26 anos publicou seu primeiro livro  “ Pátria Vindoura”, seguido de mais quatorze outras obras, todas  com grande aceitação, não só em âmbito nacional, como também além de nossas fronteiras, sobretudo entre os pensadores franceses e sul americanos Desta extensa produção bibliográfica, salientamos o impactante, “Evolução e Retorno”, um estudo aprofundado e digno de meditação sobre o problema fundamental do destino do mundo e da humanidade, entendendo que esta, ao alcançar seu apogeu, recapitula fases já percorridas, sob novas formas de rejuvenescimento.  “Novas diretrizes” um livro que muito  impressionou a mais alta intelectualidade da época, despertando críticas bastante elogiosas. Outro, “Formação da Raça Brasileira”, já naquela época, um trabalho jurídico e sociológico da maior atualidade sobre a questão da imigração no Brasil. Outro mais, “Nova concepção da história” onde o tema alcança  um notável nível   de superação porque tendo sido escrito com beleza, se transformou em arte, em poesia… e porque,  alimentado a  partir do pensamento, tornou – se sabedoria, filosofia… para enfim se concretizar  na  visão de um pensador. Seu décimo  sexto  livro, “Salvação Nacional” foi  publicação póstuma.

Um extraordinário espírito de síntese, uma abundante e, ao mesmo tempo, diversidade de erudição fizeram de sua leitura um apaixonante jogo intelectual. Não só um jogo, mas um original reconhecimento ao prestígio da atualidade e da preocupação com a necessidade de um desenvolvimento contínuo. O futuro pelo presente constituiu o fio condutor de sua obra atestando sempre que tudo recapitula fases percorridas, descortinando diretrizes e trazendo certo alento, com a convicção de que  sempre  surgirá uma reação que, de novo, impulsionará o  progresso.

Como barbacenense que sou, sinto – me feliz por resgatar o conhecimento de uma vida amplíssima, insinuante, clarividente, direcionada  a uma profunda e enriquecedora reflexão sobre tantos episódios da vida coletiva da humanidade.

 

                                                                        Aurea Luiza Campos de Vasconcelos 

                                                                         Academia Barbacenense de Letras

                                                                         Cadeira número 34

                                                                                       Barbacena  22 de  abril de 1979