O Cinema em Barbacena

Mário Celso Rios

Artigo publicado no Anuário de 1989 da ABL, páginas 44 a 48.

 

APRESENTAÇÃO

A vista é a prisão do mundo, pondera Platão. O que queria com isso dizer aos séculos? Fascínio diante de imagens em movimento. Qual o verdadeiro sentido para a humanidade da invenção dos irmãos Auguste e Louis Lumière apresentada na noite fria do já distante 28 de dezembro de 1895?… Afonso Segreto em 19 de junho de 1898, colhendo imagens da baía da Guanabara marcava a época – início do cinema no Brasil. O cinema chegaria a Juiz de Fora em julho de 1897 com a mostra “La Sortie des Usines Lumière”, conforme o jornal do Commercio de 22 de julho de 1897 (cf obra de M. R. Galdino citada nesta).

O novo. Relação meio-mensagem. Linguagem em que o domínio é da forma. Atração da massa, como da intelectualidade. Quebra de barreiras, tabus e preconceitos. Razão e mito equiparados. É desejo aguçado, primeiro os olhos, depois sons. Descoberta. Deslumbramento. Sincronia. O captar da história é vida com suas implicações mais diversas. Não adiantam escândalos, nem preconceitos – o cinema faz parte do inconsciente coletivo. É modernidade. É revolução.

 

PIONEIRISMO E PRIMÓRDIOS

O cinema chegaria a Barbacena a 24 de fevereiro de 1901. O responsável foi Carlos Leal, com seu animatógrafo. Os filmes foram “Casamento de um velho” e “Nascimento, vida, morte e ressurreição de N. S. Jesus Cristo”. O jornal “Cidade de Barbacena” (CB) destaca o fato. O início das projeções regulares também está registrado. Joseph Adams & Companhia trazia em 24 de junho de 1906 o kinematógrafo. O biógrafo e o Kinetofone de Edison também foram demonstrados na cidade.

Existiram em Barbacena o Cinematógrafo Brasil de Mário Pacheco (CB de 25/04/1909); O Cinematógrafo Mineiro de Paulo Bendetti (de 1909 a 1915); o Cine Íris (no local onde está hoje o prédio da Associação Comercial) da empresa Castro & Cia e o Cinema Parisiense (no espaço onde hoje é o Edifício Bicalho Veloso).

O Cinema Moderno de Orlando Piergentilli (Itália: 23-10-1865/1-11-1941), data provavelmente da primeira década. Seu proprietário nele fazia tudo. Ficava ao lado do atual “Apollo”, segundo depoimento de Milvio Marcio Piacesi, seu neto, em 23 de maio de 1989.

 

PAULO BENEDETTI

Paolo Cianelli Benedetti (Itália: 1863/Brasil: 1944) é o nome máximo da cinematografia barbacenense. Aqui viveu de 1909 a 1915. Foi fotógrafo, exibidor, ator, inventor, cineasta revolucionário. Hoje já se tem informações de que seu estúdio ficava na Rua José Bonifácio. Nesse período, além dos quatro filmes já conhecidos, fez um outro denominado “As Lavadeiras” (1915?). Em tal projeto se associou a Antônio Russo, valendo-se de artistas locais e usando a cinematrofonia (cf “Correio da Serra, p. 4, 1/6/1957, art. de Mário Franco Lima). Nestor Massena em “Barbacena – A Terra e o Homem”, vol. I, pág 109, IOMG, 1983, crê que o malogro do invento sonoro benedettiano se deva a um extravio sofrido pelo mesmo, quando de sua negociação na Alemanha. Quando se mudou, vendeu seu cinema, que com o novo dono passou a se chamar “Cine São José”.

 

OS CINEMAS E OS EXIBIDORES

A cronologia pode ser assim sintetizada:

CINE THEATRO APOLO (inauguração: 12 de agosto de 1923) – é obra de Aroldo Piacesi (Roma: 19-02-1881/JF: 27-06-1954) e de sua esposa Ines Piacesi (Roma: 6-03-1883/Barbacena 7-02-1981). Primeiro filme: “Cléo de Paris”, protagonizado por Mae Murray, musicado pela orquestra de Otávio Castro Silva (23-10-1891/07-09-1961) ao violino, Delpina da Costa Silva (violoncelo), Maria Teresa Costa Jó (piano) e Amélia Castro Bittencourt (violino). A saudação foi feita por Annita Coutinho. Primeira casa de diversões a ter 600 lugares. Foi o 2º cinema de MG a ter o som R. C. A. Photofone (movietone). Os filmes da Fox eram nesse processo, sendo “Fox Follies” o primeiro. Idem no uso do Vitafone (discos). Os filmes da Warner eram nesse último processo. Tinha gerador próprio. Teve a escudá-lo dois veículos impressos: o “Apollo Jornal (1923) e “Rubicon” (1935… 1952). Na 2ª fase deste, encontramos, além de cinema e amenidades, material de valor para estudo de ideologias vigentes na época como o integralismo, o fascismo e o estadonovismo. Já na 3ª fase há informações sobre uma ampla reforma, aquisição de cadeiras Kastrup & Cia de Santa Catarina (14-01-1939). Em 26-11-1939 e s. a matéria é a questão “cinema independente contra trusts e grandes circuitos”. Ação de Aroldo ao Tribunal de Segurança Nacional do Estado Novo. No caso atuou o procurador José Maria Mac-Dowell da Costa. Do outro lado da demanda estavam Agostinho Marques e Sérgio Ferraz, interessados no arrendamento do Cinema Teatro São José. Aroldo e Ines não tiveram ganho de causa…

O “Apollo” promovia vários tipos de eventos e sessões, entre elas, registram-se a Soirée Rose de 12/08/1935, as revistas e os seriados. Os músicos Flausino Vale (1894-1954) e Francisco Nunes atuaram nele também no período silencioso. O primeiro filme em 3-D foi “Museu de Cera”. Em 1948 Stelio G. Piacesi passa a gerente, depois dele vem João Ferreira da Silva.

O “Apollo” é vendido no final dos anos sessenta a Urias Barbosa de Castro (reinauguração: 1º de fevereiro de 1969; filme: “Ao Mestre com Carinho”, de James Clavell, 1967, com Sidney Poitier). Gerente foi Lourival Vaz de Mello, sobre ele falaremos mais adiante. As obras de recuperação ficaram sob os cuidados de Augusto de Assis. A oratória proferida por Geraldo Rocha Filho.

Desativado no final de 1986, foi histórico cinema recuperado por Maria da Glória Bittar de Castro. Em 28 de outubro de 1988, mais uma vez, reinicia suas atividades, após ampla remodelação. O filme da ocasião foi “O Milagre Veio do Espaço”, 1987, de Matthew Robbins. O “Apollo” continuará a dar apoio ao teatro também.

CINEMA BRASIL (inauguração: 1º de maio de 1940) – surge após complicado período de preparação. Situava-se na Rua Comendador João Fernandes, esquina com a Avenida Bias Fortes (atual Edifício O. Faria). O antigo Cine São José, já há certo tempo desativado, era de propriedade do “Clube Barbacenense”, quando foi arrendado para o “Circuito de Cinemas Brasil Ltda” de Ubá de propriedade de Agostinho Marques (1894-1982). Primeiro programa: “Alvorada Tropical”, curta nacional; “Revista de Modas”, curta da Fox em cores; trailer de “Gunga Din”; “Fox Movietone News” e o longa metragem musical colorido da Metro “Coração do Amor” (Sweetheart) de W. S. Van Dike (1889-1975), um homem envolvido com cinema de maneira excepcional. Suas promoções eram marcantes. Nas quartas-feiras e sábado havia seriados. Toda sua família trabalhava com cinema. Projeção: A. E. G. Sistema Sonoro Cinetom. Mobiliário: P. Kastrup & Cia. Tinha estabilizador próprio de voltagem para enfrentar os problemas de luz que eram corriqueiros então.

Encerrou suas atividades em 25 de março de 1957.

CINE TEATRO PALACE (inauguração: 18 de dezembro de 1955) – iniciativa de Caetano Orpheu Bonato (Itália: 25-11-1898/Barbacena: 02-10-1963). Primeiro filme: “O Cálice Sagrado”, de 1954, de Victor Saville. Possui dois salões independentes e mais de mil poltronas “Brafor”. Na inauguração o uso da palavra foi pelo proprietário e Osvaldo Fortini. Equipado com Cinemascope e som estereofônico. Dotado de jogo de luzes, sinais sonoros e outros equipamentos vindos de Turim. As sessões possuíam um toque solene, pois eram iniciadas ao som do Concerto nº I de Tchaikovsky (1840-1893). A sala inferior recebeu o nome de “Cine Orfeu”. O “Palace” se associou com o CCB e para lá foi Lourival Vaz de Mello. Época de grandes promoções. Seus filhos Lourival Vaz de Mello Jr e Ronaldo Vaz de Mello ficam, o primeiro no “Brasil” e o segundo no “Apolo”.

Orfeu Bonato substitui seu pai após seu passamento… Nos anos oitenta o “Orfeu” passou a se chamar “Cine Arte”. Este o “Palace” ainda estão em funcionamento, mesmo considerando que vivemos num tempo bem diferenciado daquele da inauguração.

CINE GLÓRIA (inauguração: 21 de setembro de 1974). – Iniciativa de Urias Barbosa de Castro. Primeiro filme: “Portugal, … Minha Saudade” de Amancio Mazzaroppi (1912-1981). Foi fechado em 03 de setembro de 1984. Localizava-se no Pontilhão, onde funciona um negócio hortifrutigranjeiro denominado “Sacola Cheia”.

OUTROS – “Cine Sete de Setembro” existiu à Rua Francisco Sá, nº 201, por obra de Jandira Prado dos Santos (7-09-1909/30-03-1971), a popular D. Zizinha. Seu caráter era filantrópico. Durou de meados dos anos cinquenta até 1958. Seu mérito: formar um grupo de pessoas interessadas pelo cinema em profundidade. Entidades escolares ou comunitárias como o Colégio Imaculada Conceição, o Estadual Soares Ferreira e Santa Casa promoviam até os anos sessenta algumas modalidades de sessões. A EPCAr até hoje tem seu cinema. A Faculdade de Medicina tem lançado uma experiência graças a Luiz Mauro da Fonseca.

 

CRÍTICA, CENSURA E O FUTURO

MÁRCIO DA ROCHA GALDINO (autor das colunas “O que há para ver” e “Circuito”, de 1978 e 1979 no CB se destaca por sua profundidade, pelas pesquisas sobre nosso cinema e principalmente pela experiência que foi o “Cineclube Paulo Benedetti”, apoiado por Ionel Guimuzzi da Silva; venceu o Concurso Embrafilme “Nosso Cinema – Aspectos de Sua História” e o “Prêmio Cidade de Belo Horizonte” de 1978 e 1983 respectivamente. Seus trabalhos foram publicados em livros. Atualmente faz pesquisa em BH); Paulo Sérgio Gonçalves em sua coluna “Cena” no CB também lutou por um cineclube junto com Amaury Laguardia (1978); Glória Bittar; Márcio Bertola (incursões no universo de Pasolini) e Carlos Magno Reis de Carvalho junto com Mário Celso Rios (“Cinema, Arte que Conta”, no Suplemento Cultural CB/PP de 1984 a 1986) são nomes que deixaram sua marca.

A censura se apresenta por aqui principalmente na época do D.I.P., em certo período feita pela Igreja, em 1978 por causa do filme “DONA FLOR E SEUS DOIS MARIDOS” e em manifestação do Legislativo Municipal (18-11-1985). A Constituição Federal de 5 de outubro de 1988 termina com a censura.

E o cinema chega ao fim do século… Sociologicamente ensinou a convivência entre pessoas simples e imponentes… seu futuro? A transformação irreversível da técnica em prol do sonho ou, quem sabe, seria a preparação de um trailer da eternidade?

(FONTES: Coleções de jornais e obras citados / Agradecimentos a todos que nos deram dados, informações etc, sem exceções).

“Minas Gerais – Ensaio de Filmografia” Ed Comunicação, 1983, pág 31.