O Homem do Monumento da Praça dos Andradas

A estátua de um homem, segurando numa das mãos o seu chapéu, representa uma das mais importantes figuras históricas do estado de Minas Gerais

 

Maio de 2022. Numa manhã fria do característico outono barbacenense, atravessando o cruzamento da Rua XV de Novembro com a Rua Teobaldo Tolendal, vi emoldurado pelas grandes e antigas árvores que tomam todo o espaço da Praça dos Andradas, o Memorial e a Estátua ali erigidos em homenagem a Chrispim Jacques Bias Fortes.

Desde a sua morte, ocorrida em 14 de maio de 1917, a figura do velho Bias Fortes passou a fazer parte do panteão de nossos mais insignes personagens históricos de Minas Gerais, apesar de que o Memorial existente em Barbacena em sua homenagem ter sido erigido somente em 1930. Trata-se de um complexo exaltando a fecundidade, o trabalho e a coroação de um homem público pelos méritos alcançados a serviço do povo.

Chrispim Jacques Bias Fortes, nascido em 1847 no distrito de Livramento, atual cidade de Oliveira Fortes, logo que concluiu seus estudos preparatórios partiu para São Paulo onde cursou a Faculdade de Direito tornando-se bacharel. Retornando à sua terra natal iniciou carreira nas funções públicas ocupando os cargos de delegado de polícia, juiz municipal e advogado.

 

Dr. Chrispim Jacques Bias Fortes foto do Arquivo Público Mineiro

A proclamação da República, em 1889, alterou a governadoria das antigas províncias e as instituições republicanas foram organizadas no estado de Minas Gerais. Bias Fortes construiu por esta época uma rápida ascensão política tornando-se um dos principais chefes políticos da poderosa Comissão Executiva do Partido Republicano Mineiro.

Bias Fortes não foi coronel da Guarda Nacional e nem um dos grandes fazendeiros da região. A sua família não possuía ascendência nobiliárquica. A liderança de Chrispim Jacques advém das hostes republicanas. Não era Bias Fortes figura política possuidora de arroubos de oratória. Na verdade, a sua biografia quase passa despercebida pela história da cidade, talvez sequer seria lembrado não fosse o monumento erigido em sua homenagem na praça central da cidade.

A personalidade de Chrispim Jacques Bias Fortes ainda continua envolta em certo mistério. As suas ações políticas são vagamente comentadas, principalmente, as que envolvem diretamente a administração municipal de Barbacena. O período áureo de sua ascensão política confunde-se com a biografia de outros próceres locais e as informações históricas mais importantes de sua personalidade são reveladas por figuras externas ao município de Barbacena.

 

Dr. Chrispim Jacques Bias Fortes

O poderoso Chrispim Jacques Bias Fortes apresentava-se sempre bonachão. Aos que conviviam com ele, a primeira impressão era a de uma pessoa facilmente manipulável, muitos o levavam em conta de não possuir competência para a maioria das atividades administrativas de que participava.¹ Mas, o político barbacenense era possuidor de um carisma inato, dono de uma personalidade cativante e equilibrada que, em torno de si, não demorou a congregar um enorme grupo de seguidores, porque antes de qualquer qualidade ou defeito que possuía nas lides políticas, o que mais lhe sobressaia era a astúcia.

O período que vai de 1894 a 1930 foi marcado pelo governo de presidentes civis ligados aos setores agrários mineiro e paulista. O país passou a ser controlado pelos partidos Republicano Paulista e Republicano Mineiro. Os dois estados eram os mais ricos do Brasil e a sua representatividade advinda das elites mineiras e paulistas favorecia o setor agrícola, especialmente os produtores de café em São Paulo e do leite em Minas Gerais. A base municipal criada por esta dinâmica, característica da primeira república, era o coronelismo.

A figura do coronel era comum no interior do Brasil. O coronel, na maioria das vezes, era um grande fazendeiro que utilizava de seu poder econômico para garantir a sua eleição ou a dos seus candidatos. Na época, era usada a dinâmica do voto de cabresto, o coronel obrigava e em algumas cidades usava até mesmo de violência para que os eleitores de seu curral eleitoral votassem nos candidatos apoiados por ele. Como o voto era aberto, os eleitores eram pressionados e fiscalizados por capangas do coronel para que votassem nos candidatos indicados. O coronel também utilizava outros recursos para conseguir seus objetivos políticos como a compra de votos, fraudes eleitorais e troca de favores.

 

Dr. Chrispim Jacques Bias Fortes em companhia de seu filho José Francisco Bias Fortes. Ambos foram governadores do estado de Minas Gerais

Portanto, a base social deste sistema de partido único era o coronel. Alguns homens fechados a qualquer progresso, outros procuravam melhorar a vida de seus municípios. O habitat natural desses homens eram os municípios do interior do Brasil, principalmente, naqueles em que predominavam as atividades rurais. A vitalidade de ação do coronel era inversamente proporcional ao desenvolvimento das atividades urbanas e o isolamento era fator importante na formação e manutenção do fenômeno.

Chrispim Jacques Bias Fortes foi capaz de perceber todos os detalhes inerentes à formação desta nova classe dirigente do país e, mais, conseguiu imprimir um caráter totalmente emblemático de uma sociedade civilizada e ordeira vivente nos planaltos de Minas Gerais. As habituais divisões partidárias existentes em outras regiões do estado não conseguiram encontrar réplica em Barbacena. Na cidade que Bias Fortes representava, não existia dissenção, pelo menos perceptível aos olhos da própria sociedade barbacenense e, se no estado existia um único partido, o Republicano Mineiro, em Barbacena não era diferente.

No município de Barbacena os homens bons conseguiram espelhar a estrutura que existia no Império, cristalizaram um diedro social que formou um único corpo dirigente que congregava as famílias tradicionais ali existentes desde a Independência do Brasil. A transição para o regime republicano constituiu-se de práticas sociais e políticas pouco alteradas do que existia no Império. Antigos monarquistas aderiram tranquilamente ao republicanismo sem serem importunados.

Chrispim Jacques Bias Fortes foi o arquiteto dessa nova congregação política que, em torno de sua figura, começou a se constituir num poder absoluto de equilíbrio social e político, tão poderoso, que poucos anos depois de instituída a República, esses mesmos representantes do interior mineiro que decidiam a política imperial e monárquica, voltaram a influenciar nas decisões nacionais.

Bias Fortes era um político de bastidores. A manipulação, a diplomacia e a astúcia política eram as suas mais pronunciadas habilidades, essas conhecidas e citadas por diversos historiadores. Mas, com certeza, ainda será tema de estudo a sua habilidade social. Chrispim Jacques Bias Fortes jamais recebeu qualquer título da Guarda Nacional, a sua família tem uma origem humilde e não possuía qualquer título nobiliárquico e nem grandes propriedades. Nem mesmo depois de obter poder na política estadual, a família Bias Fortes jamais se equiparou à riqueza que possuíam, por exemplo, as famílias Sá Fortes ou Teixeira de Carvalho.

Chrispim Jacques Bias Fortes não foi sequer nomeado coronel, apenas doutor. O Dr. Chrispim Jacques Bias Fortes, o importante político republicano mineiro, aquele que presidiu por muitos anos a poderosa Comissão Executiva do PRM – Partido Republicano Mineiro. O poderoso político que influenciou a construção do regime republicano em Minas Gerais. Durante a sua governadoria transferiu a capital de Ouro Preto para Belo Horizonte. O coronel que de fato o era, mas sem títulos, sem barulho, nem alarde. O poderoso político que influenciou os destinos administrativos de Minas Gerais por pelo menos trinta anos.

 

Silvério Ribeiro

Pesquisador e Escritor. Membro efetivo da Academia Barbacenense de Letras.

 

Notas:

1 – MASSENA, Nestor. Barbacena; a terra e o homem / Nestor Massena – Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1985. Volume II, pág. 171.

Fontes:

Livro:

MASSENA, Nestor. Barbacena; a terra e o homem / Nestor Massena – Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1985.