O Regresso

André Paolucci

 

Era tarde da noite e chovia fino e gelado em Barbacena. Noite típica de um maio qualquer. Caminhava apressado pelo Rua XV de Novembro, perto do clube Barbacenense. Era outra época, o lugar parecia o de sempre. Eu ainda não sabia que também estava diferente. Havia algo familiar em tudo aquilo e em breve teria a maior surpresa da vida.

A calçada sempre irregular estava bem molhada e escorregadia. A tempestade que perdia força deixava enxurradas pelas ruas centenárias da cidade das rosas. Para alguns era a cidade dos loucos. Em um momento que parecia uma eternidade, me abriguei sob uma marquise ao lado de um botequim. Além de algumas conversas esporádicas e sem sentido, ouvia-se o barulho das bolas de sinuca se chocando e ao fundo uma música do Roberto Carlos. Mergulhei por um momento em lembranças antigas do meu pai sentado na mesa da cozinha e escutando num rádio em uma fita cassete a mesma canção: “O Divã”.

Esses pensamentos foram interrompidos abruptamente pela buzina de um carro. Era um fusca verde e lá de dentro alguém sorriu e acenou na minha direção. Eu reconheci meu tio Walter, mas a cena não fez sentido nenhum. Me lembro de passeios naquele carro…quando era criança. Como o veículo continuou seu caminho, não tive oportunidade de esclarecer tudo aquilo.

Continuei caminhando e tudo ao redor me lembrava momentos distintos da existência. A primeira escola ainda estava lá, como a deixei aos sete anos. Até as cores e nomes estavam intactos: Pituchinha. Lojas comerciais como a farmácia Marques e a casa Badaró no bairro São Geraldo. Onde meu avô sempre comprava material para pescarias, pregos, parafusos e ferramentas para reparos. Olhei de relance esperando quem sabe rever aqueles olhos azuis, mas o estabelecimento estava vazio.

Foi então que me dei conta que nada fazia sentido mesmo. Pois não morava mais ali há mais de uma década. Até o tempo parecia passar de forma anômala. A medida que aparentemente a madrugada deveria avançar, a noite retrocedia e o movimento nas ruas aumentava. Sensações conflitantes me invadiram quando a vitrine de uma loja mostrou o meu reflexo. Era um André de vinte e poucos anos. Como eu ainda gostava de recordar. E com os cabelos negros de volta.

A essa altura já me aproximava da antiga residência, a casa das três janelas, na Rua Padre Manoel Rodrigues, conhecida outrora como “pau de barbas”. O coração disparou, pois quem estaria ali? Quem eu poderia reencontrar? Entrei pela varanda da casa, com piso vermelho e em frente a duas portas azuis de madeira, eu então bati e chamei pelo meu pai. Mas quem abriu a porta foi a felicidade estampada num sorriso que se perdeu nas névoas do passado. E foi então que pude abraçar uma vez mais o meu irmão Rodrigo.

 

André Paolucci, Membro da Academia Barbacenense de Letras, ocupando a cadeira número 4.