Ode a Carlos Drummond, um poeta gauche

CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE – O POETA GAUCHE

Itabira (MG). Outubro. 1902. Ali nascia um menino destinado a olhar o mundo com os olhos da alma e se tornar um dos maiores escritores brasileiros.

Texto de Aurea Luiza Campos de Vasconcelos Grossi

Jovem, inicia sua caminhada literária, colaborando em jornais, revistas e programas culturais. Sempre obstinado pelas palavras, transfigurando-as em instrumentos de libertação diante das angustias rotineiras, dos sentimentos de solidão, das reflexões existenciais e das intrincadas relações humanas. Tanto assim que, em tom confessional, compõe o poema a elas dedicado: “Já não quero dicionários/ consultados em vão./ Quero só a palavra /que nunca estará neles/ nem se pode inventar. Que resumiria o mundo/  e o substituiria./”  Uma busca  mais profunda pela palavra que, embora não existindo, fosse capaz de simbolizar sua  aspiração  por mundo melhor.

Eis que, “No meio do caminho tinha uma pedra/ Tinha uma pedra no meio do caminho. / Nunca me esquecerei deste acontecimento/ na vida de minhas  retinas fatigadas./ Nunca me esquecerei que no meio do caminho/ tinha uma pedra/…”  Reconhecidamente, uma de suas composições mais célebres, em razão de seu caráter ímpar, onde significante e significado se amalgam em uma única realidade fazendo da expressão, algo irreversível… do sentido, uma revelação das inúmeras dificuldades que iam surgindo pelo cotidiano…

Entre estas pedras, encontravam – se as críticas severas pela simplicidade e excessiva repetição, considerando -o monótono e sem sentido. Por outro lado, também, ali estavam os aplausos daqueles que entenderam o poema como  produto  da genialidade de seu autor. Aval necessário para consolidar  sua crença de que à poesia, não se obriga o  rigor das formalidades tradicionais, sendo livre para abordar qualquer tema. E  muito mais ainda,  para que se cumprisse a profecia feita pelo “anjo torto”  quando de seu nascimento: “ Vai Carlos! ser “gauche” na vida!”

Vai Carlos e desvela as Sete Faces, o jogo entre os olhos e o coração, onde o primeiro vê, constata e compreende enquanto   o segundo sente, imagina e idealiza. São razão e emoção intercambiando – se para   deixa – lo diante da sétima face,   “comovido como o diabo!”

Vai Carlos  e  questiona José,  em nome de todos os homens, sobre a solidão,  o abandono  e a desesperança dos grandes centros urbanos.  Desencanto faz parte da linguagem da alma! O que fazer? Para onde ir? “A chave na mão/ quer abrir a porta/ não existe porta/ E agora, José? /”   

Vai  Carlos  e mostra  como viver é tarefa difícil. Ser “Eterno”  é mais complicado ainda.. “A cada instante se criam novas categorias do eterno…eterno é tudo aquilo que vive uma fração de segundo/ mas com tamanha intensidade que se petrifica!”

Vai Carlos e  confessa sua pequenez  diante da surpreendente  grandiosidade da “Máquina do Mundo” revelada ao “palmilhar vagamente uma estrada de Minas.” Uma explicação da vida  e tudo o que existe,  transcendendo a compreensão humana  e deixando – o incapaz de entender algo maior que a si próprio.

Vai Carlos  e   esclarece  as dificuldades de comunicação entre o  humano e o divino tão evidentes em “Romaria” . Um ritual religioso onde os homens apegados  à materialidade se distanciam do plano espiritual, magistralmente comprovado com os últimos versos do poema:   “Os romeiros pedem com os olhos/ pedem com a boca/ pedem com as mãos/ Jesus já cansado de tanto pedido/ dorme sonhando com outra humanidade.”

Vai Carlos e libera seu “Sentimento do mundo’’/ elucida seu “Claro enigma”, fala da tensão entre a esperança e o pessimismo  exposta  em  “A Rosa do Povo”, causa inveja com sua prosa cativante em “Boca do Luar” ou  “O Avesso das Coisas” ou “Contos de Aprendiz”, ou mesmo, retrata com  sua elegância, uma época agitada. em “Confissões de Minas” …

Vai Carlos e canta seus trinta e seis anos de amor enlouquecido pela namorada, guardiã desta paixão registrada em muitos volumes inéditos, onde  “ rimo Lygia e meu destino /por obra e graça do amor!” “Quero te amar,  flamante/ amiga, amada, amante./meu límpido diamante, desde o dia distante, em que te vi, radiante/ até sempre/ durante o tempo todo/ instante sombrio ou lucilante”…

Vai Carlos esquece o pudor e se deixa navegar pelo “ Amor Natural”, aquele tão  essência!. Um segredo guardado a sete chaves até que, quando revelado, deixa à vista, sua mais fascinante nudez da alma…  uma exposição de êxtase e sensualidade à flor da palavra, “desabrochando em puro grito de orgasmo, num instante de infinito…”

É Carlos!!… eis que chega sua hora…  o adeus definitivo…  pressentido…  preparado em forma de poesia …   o selo da obra, o arremate da trajetória pessoal sempre em busca do que dá sentido à vida!…

Vai Carlos…  despeça de seus leitores, dedicando – lhes seu “ Farewell ”-  “Aos leitores, GRATIDÃO, essa palavra – tudo.”  C.D.A.

NOTA: Aurea Luiza Campos de Vasconcelos Grossi é membro da Academia Barbacenense de Letras, ocupando a cadeira número 34