Ordem do Dia em deferência ao Sesquicentenário de Alberto Santos Dumont

FINIS CORONAT OPUS

ABL

ACADEMIA BARBACENENSE DE LETRAS

Fundada em 1977

 

150º ANIVERSÁRIO DE ALBERTO SANTOS-DUMONT

 

Ordem do Dia do Presidente da Academia Barbacenense de Letras

Barbacena, 20 de julho de 2023.

       A História sempre trará os dados necessários ao conhecimento dos fatos relevantes para a humanidade e servirá como um luzeiro para um amanhã mais propício. Recorro a um desses fatos para elevar o surgimento de Alberto Santos-Dumont, ilustre barbacenense, mineiro, inventor, aeronauta e esportista.

Santos=Dumont nasceu em 20 de julho de 1873, em Cabangu, na verdade, na fazenda Cabangu. Era o sexto filho da senhora Francisca de Paula Santos, de tradicional família portuguesa vinda para o Brasil nos idos de 1808, na corte de dom João VI, e do senhor Henrique Dumont, de ascendência francesa, engenheiro civil de obras públicas e, mais tarde, cafeicultor nas paragens de Ribeirão Preto, município do estado de São Paulo.

O engenheiro Dumont havia adquirido aquelas terras de Cabangu alguns anos antes de o gênio nascer. Santos=Dumont passou a infância no local até, mais ou menos, os oito anos de idade. A fazenda Cabangu era uma propriedade exuberante na zona rural do então distrito de Palmyra.

Conforme registro no início deste texto, a História nos alimenta com seus dados, também para trazer os fatos a lume. Quando Santos=Dumont nasceu, no ano de 1873, na fazenda Cabangu, Palmyra se localizava nas posses territoriais do município de Barbacena, Minas Gerais. Somente no ano de 1890, o distrito é elevado à categoria de urbe e, tempos após, precisamente no ano de 1932, Palmyra, cidade, se torna Santos Dumont em justa homenagem ao Pai da Aviação. Sandumonense, querelas à parte, não entro no mérito do registro histórico, mas barbacenense!

O pai do inventor, sr. Henrique, percebendo que, desde a mais tenra idade, o filho se interessava pelas máquinas que, aliás, eram numerosas, sobretudo na fazenda Arindiúva de São Paulo, dado ao seu estágio de mecanização, estimulou-o a perseguir seu desejo, mas, por incrível que parecesse, não desejava que se tornasse engenheiro, como ele ou como os outros filhos. Ao contrário, emulou-o para o estudo da Mecânica, da Física, da Química e da Eletricidade.

Alberto, emancipado pelo pai, aos 18 anos de idade, segue, então, para Paris para aperfeiçoar seus conhecimentos e perseguir o sonho de voar. Lá, chegando, encanta-se pelos motores à combustão interna, muito populares na indústria automobilística da segunda metade do século XIX. Adquire um exemplar, a fim de compreender o seu funcionamento, dissecando-o, por assim dizer. Curiosamente, logo se envolveu, promovendo e disputando, as primeiras corridas de autos naquela cidade. Aliás, é pertencente a ele o título de primeiro piloto brasileiro a participar de uma corrida internacional de automóveis, na França, em 1894. Impressionado, pois, pela concepção do carro, tornou-se o primeiro importador de automóveis para o Brasil.

Nos primórdios do automobilismo, na capital brasileira, o Rio de Janeiro, poucos possuíam automóveis devido ao seu alto valor de aquisição. Um dos proprietários era José do Patrocínio, abolicionista e dono de jornal, que fora por Santos=Dumont, ele mesmo, apresentado à nova máquina, em Paris, em 1892. Retornou ao Rio, trazendo um triciclo GardnerSerpollet de oito cavalos-vapor. Segundo suas palavras:

 “Trago um carro a vapor… o veículo do futuro, meus amigos. Um prodígio! Léguas por hora. Não há aclives para ele: com um hábil chauffeur, vai pelo Corcovado acima, garanto a vocês, como um cabrito. Em meia hora faremos o trajeto do Largo de São Francisco ao Alto da Tijuca. Imaginem! É a morte de tudo – dos tílburis, dos carros, do bonde…até da estrada de ferro. Ficamos senhores da viação. É a fortuna!”

         

          Por ironia, o carro do abolicionista seria o automóvel pioneiro a protagonizar a primeira ocorrência de trânsito no Brasil. O responsável, contudo, foi o grande bardo Olavo Bilac, a quem Patrocínio dava lições de direção. O escritor Coelho Neto relatou, na ocasião, o ocorrido:

         

 “O carro saiu na manhã de domingo. Saiu com estrondo espalhando o medo e pânico entre os pacatos moradores da rua de Olinda (atual Marquês de Olinda, Botafogo), com seus roncos, com os seus bufos e o estridor das ferragens (…) E lá ia o monstro. Quando aquilo passou pelo Catete, um fragor espantoso, desencravando os paralelepípedos da rua, como se as próprias pedras fugissem (…). Patrocínio insistia com o motorista para que desse mais pressão, e o poeta (Bilac) sorria desvanecido guiando a catástrofe através da cidade alarmada. Por fim, num tranco, o carro ficou encravado em uma cova, lá para as bandas da Tijuca, e, para trazê-lo ao seu abrigo, foram necessários muitos bois e grossas correntes novas. Enferrujou-se. Quando, mais tarde, o vi, nas suas fornalhas dormiam galinhas. Foi vendido a um ferro velho”.

         

Os desbravadores foram intrépidos, mas era forçoso avançar para que os autos pudessem ser, realmente, um meio de transporte, sobretudo mais seguro. Nada havia: estradas, regulamentações, sequer formas de abastecimento…

Em mais uma ação digna de nota, e buscando resolver os problemas apontados, Santos=Dumont sugeriu que se fundasse o Automóvel Clube do Brasil – ACB –, na praia de Botafogo, 308, antiga sede do Clube de Regatas Guanabarense, em 27 de setembro de 1907. Entre os fundadores da agremiação, estavam: José do Patrocínio, Olavo Bilac, Fernando Guerra Duval e Álvaro Fernandes da Costa Braga, além, é claro, de Alberto Santos-Dumont. O objetivo primaz do clube era “fomentar a cultura automobilística como meio de transporte, lazer e esporte”.

Pouco tempo após a fundação do Automóvel Clube do Brasil, o Rio já contava com mais de 908 automóveis. O interesse e a necessidade de motoristas começou a se fazer presente, tanto que, com o suporte de Santos=Dumont, o ACB trouxe da Europa instrutores, capazes de ensinar a direção e a mecânica básica. Também, graças aos associados do clube, surgiram o primeiro posto de combustíveis, a primeira autoescola, hoje centro de formação de condutores, a primeira oficina mecânica e a primeira revista, versando sobre a temática do automobilismo. Quanto à ausência de legislação de trânsito, por exemplo, coube ao clube criá-la, disciplinando, assim, a circulação de automóveis e de pedestres no país.

Outra atividade de relevância do clube, impulsionada pelo conterrâneo, foi a organização de exposições e corridas de automóveis, mais ou menos nos moldes em que as concebemos até então. A primeira exposição de autos da capital brasileira, à época, em 1925, contou com fabricantes norte-americanos e europeus, tais como: Ford, General Motors, Chrysler, Gray, Packard, Hudson, Lancia, entre outros, atraindo muitos visitantes.

Alberto Santos-Dumont teve, contudo, a visão mais relevante, creio, para além das passagens pitorescas, ou mesmo de outras contribuições suas, como exposto. Desejava fortemente alcançar os céus, queria muito voar!

Conhecido é o mito de Ícaro. Dédalo projetou o labirinto a partir do local em que vivia o Minotauro, figura mitológica com o corpo humano e cabeça de touro, na ilha de Creta. Mas Dédalo cometeu um engano, ao revelar para Ariadne os segredos recônditos do labirinto. Ela, por sua vez, auxiliou Teseu com informações privilegiadas sobre a edificação. Teseu, assim, adentrou ao labirinto e assassinou o Minotauro.

O rei Minos, enfurecido, resolveu prender Dédalo, o arquiteto, e seu filho, Ícaro, no próprio labirinto, para que nunca mais pudessem ousar a ação que tomaram. Encarcerados e descontentes com o rei, Dédalo estruturou um plano, habilidoso que era: arquitetou asas, manufaturadas com penas de gaivota e fixadas com cera de abelha, para si e para seu filho, a fim de que pudessem ganhar os céus e, consequentemente, reconquistar a liberdade.

O plano audacioso, entretanto, funcionou e ambos conseguiram o intento: sair voando da ilha de Creta. Ícaro, moço e naturalmente mais impetuoso, não se ateve aos conselhos de seu pai e decidiu voar alto, muito alto, tal como um deus poderoso. Na maior altitude, mais próximo do Sol, contudo, a temperatura aumentou; a cera de abelha se derreteu; as penas se desprenderam. Ícaro caiu no mar Egeu e morreu afogado. O pai, agoniado, assistiu a tudo e nada pôde fazer.

Mas Santos=Dumont, visionário, queria conquistar os céus, voar! Engenhoso, tal como Dédalo, voltou seus esforços construtivos, na aeronáutica, para a concepção dos balões, possivelmente influenciado por outro grande inventor: o padre brasileiro Bartolomeu Lourenço de Gusmão que, aliás, patenteou sua invenção pátria em 1710.

Santos=Dumont voou em seu primeiro balão, o Brasil, o menor balão tripulado já feito, homenageando seu país. Posteriormente, já tendo bastante conhecimento acerca dos motores à combustão interna, incorpora-os aos balões, agregando-lhes lemes, inventando os balões dirigíveis, da série N, até o N-13.

Em 1901, por sobre Paris, pilotou o balão Número 6, movido à gasolina, obtendo o prêmio Deutsch que somou cem mil francos. Iniciou-se, assim, uma onda de sucesso na imprensa norte-americana e europeia, tornando-se mais conhecido e despertando o interesse militar para seus inventos. Altruísta, partilhou a pecúnia com seus auxiliares e seguiu criando outros balões.

O maior invento do mineiro Dumont, de fato, surgiu em 1906. Alcançou, conquistou os céus, voou! Em vinte e três de outubro daquele ano, o 14-Bis, com motor Antoinette de 50 cavalos-vapor, decolou e manteve-se no ar por uma distância de 60 metros a uma altura de três metros. Era a homologação do primeiro voo do “mais pesado que ar”, perante uma multidão de expectadores admirados no campo de Bagatelle, na Cidade-Luz. Obteve, pelo feito, o prêmio Archdeacon, ofertado pelo Aeroclube da França. Triunfo de uma laboriosa visão!

Em 1909, surgiu o primeiro aeroplano do mundo: a Demoiselle, invenção número 20, a jovem, exuberante, confidente de seu criador, em livre tradução. Trata-se do primeiro aparelho produzido em série na aviação, sendo vendido para um pioneiro dos ares na França, Roland Garros.

Santos=Dumont não se preocupou em auferir cifras com suas importantes invenções. Ele publicou, por exemplo, o projeto de engenharia da Demoiselle para aqueles que a quisessem construir. Também, não patenteou seus inventos. Apresentava-se como um divulgador científico. Julgava que a relevância de suas criações para a humanidade, seus benefícios, o bem-estar alcançado, transcendiam quaisquer montantes, um caso raro de copyleft

Santos=Dumont voou e não o fez com as asas de cera! Ao contrário, não se embeveceu pelo feito, pelo êxito, pela vitória. Incorporou, por completo, a lição, a moral da lenda grega, no caso, citada aqui anteriormente. Nos termos de um contemporâneo seu, Gabriel Voisin:

 

Contavam-se sobre nosso amigo brasileiro várias lendas. Diziam que possuía uma fortuna imensa! Ora, esta fortuna era somente uma situação remediada [não existia]. Mas, como explicar o gesto deste homem que distribuía prêmios concedidos […] a instituições de caridade [e a seus colaboradores]? Estas liberalidades não podiam, aos olhos do público, apoiar-se senão sobre uma fortuna fabulosa. Nada disso: Santos Dumont era a própria generosidade, a elegância inata, a bondade e a retidão.

          Esse foi o Mineiro Criador! Em igual medida, obstinado, tenaz, resiliente, inquieto, vanguardista, persistente, pioneiro, inventivo, corajoso. Genial! Seu legado inspira, incita os homens e impulsiona as instituições.

          A Academia Barbacenense de Letras é uma delas. Surgiu aos nove dias do mês de outubro do ano de mil novecentos e setenta e sete, fundada por um homem também intrépido e visionário, o professor Plínio Tostes de Alvarenga. Foi seu primeiro presidente. Perseguia, em sua iniciativa, uma casa que pudesse, antes de tudo, resguardar e elevar a memória das letras barbacenenses.

A Academia Barbacenense de Letras, edificada no sólido exemplo, nos predicados e nos valores de Alberto Santos-Dumont, seu patrono, alçou voo. Venceu, como ele, os ventos, não se dobrou às tormentas, constantemente lastreada nos ensinamentos preciosos de seus pioneiros, pois que são homens e mulheres predestinados a cumprirem uma nobre missão. Quarenta e seis anos de exitosa presença em Barbacena Querida já se somam. A ABL não se desgarra de sua ancestralidade, de suas profundas e firmes raízes.

A Academia Barbacenense de Letras também partilha com seu patrono a influência francesa. É organizada nos moldes de sua congênere: a Academia Francesa de Letras que, por sua vez, também serviu à estruturação da Academia Brasileira de Letras, a Casa de Machado de Assis, para a qual o Gênio Mineiro fora eleito, em 1931, para a cátedra de número 38, pertencente ao romancista Graça Aranha, não chegando a tomar posse.

A Academia Barbacenense de Letras está estruturada da seguinte maneira: composta por 40 (quarenta) cadeiras, as quais têm seus respectivos patronos e são ocupadas por associados efetivos, além de haver os associados correspondentes e honorários. As finalidades do sodalício são:

“I – congregar os esforços daqueles que se interessam pelo progresso intelectual e artístico de Barbacena;

II – incentivar, por todos os meios, o cultivo e a divulgação das Belas Letras;

III – colaborar com os poderes públicos, tendo em vista o pleno desenvolvimento de suas atividades”, de acordo com seu estatuto vigente.

          Santos=Dumont, em grande medida e a seu modo, conjugou tais verbos magistralmente também! Foi um homem da ciência, inspirado, porém, pela arte literária. As histórias de Júlio Verne, sobretudo, despertaram-lhe sonhos e ideais… Nos termos próprios do Poeta Voador: “Deus não meu deu asas porém deu-me inteligência para que voemos livres com as asas da ciência.”

          O exercício da criatividade desencadeia descobertas, porém o Marechal do Ar nos ofereceu, para além delas, um exemplo de abnegação que nos assegurou a maior dádiva do homem – o voo! Por esse motivo, inscreveu-se na História como o Pai da Aviação!

          Neste ano de 2023, o ano do sesquicentenário de seu nascimento, a Academia Barbacenense de Letras, rejubila-se, festeja sua figura ímpar, rendendo-lhe justo preito por ter elevado o nosso país ao patamar de modernidade na tecnologia aeronáutica.

          Tenciono que o espírito autêntico e a fé inabalável de Santos=Dumont possam servir de propulsão para a continuidade de nossa Arcádia e também de alimento para que homens e mulheres, irmanados, edifiquem um Brasil mais equânime e mais exitoso!

          Parabéns, Alberto Santos-Dumont!

Rodrigo Tostes Geoffroy

Presidente da Academia Barbacenense de Letras