Uma missa no Santuário de Santa Rita de Cássia e logo em seguida uma sessão solene da Academia de Letras de Viçosa (ALV) marcaram a posse do Padre Paulo Dionê Quintão, no dia 22 de agosto de 2024 (quinta-feira). Ele que já ocupa a Cadeira 19, como 1º Sucessor na Academia Barbacenense de Letras (ABL), ocupa também a cadeira número 6 da ALV, cujo Patrono é Dom Silvério Gomes Pimenta.
Publicamos, a seguir, o seu discurso de posse em Viçosa:
Pároco, Cidadão Viçosense e Acadêmico
Discurso pronunciado pelo Padre Paulo Dionê Quintão, na sessão solene da Academia de Letras de Viçosa, quando de sua posse na Cadeira número 6, em 22/8/2024.
Os sentimentos que tomam conta de meu ser neste momento são os de alegria e simplicidade.
A alegria que sinto me conduz à gratidão aos membros deste grandioso Sodalício. Desejo, sinceramente, agradecer tamanha deferência para comigo, incluindo o meu nome para tomar assento na Cadeira de número 6, cujo Patrono é o memorável, Dom Silvério Gomes Pimenta, nono Bispo e primeiro Arcebispo de Mariana, Sé primaz das Gerais, bem como ocupante da Cadeira 19 da Academia Brasileira de Letras.
Meu cordial agradecimento à Professora Rozimar Gomes Ferreira, dinâmica Presidente desta Academia de Letras de Viçosa e propositora desta iniciativa, bem como aos estimados Confrades e Confreiras que a aprovaram. Sinto-me verdadeiramente honrado e enaltecido, diante de tamanha distinção.
Esta singular honra, aprofunda ainda mais os laços que me unem a este querido Município. Aprendi a amar esta terra desde criança, pois um ilustre viçosense, Monsenhor Geraldo da Costa Val, Pároco por 46 anos em Abre Campo – minha cidade natal – cantava e decantava as belezas desta urbe universitária. Lembro-me das inúmeras vezes que aqui estive em companhia do saudoso Monsenhor. Laços esses que se estreitaram ainda mais há 48 anos, quando Eny e Ilton – minha irmã e meu cunhado – escolheram Viçosa para o nascimento de seu filho caçula. Aqui estive inúmeras vezes, em ocasião de férias; vim também abençoar o casamento de meus sobrinhos e batizar seus filhos e netos. (Penso que eu já vinha ficando viçosense aos poucos…). O que eu não imaginava é que os arcanos desígnios de Deus reservassem-me tamanha honra e satisfação, trazendo-me ao exercício do ministério sacerdotal nesta sempre Viçosa que hoje me acolhe como a um neoacadêmico.
A simplicidade em que desejo acolher este generoso gesto que me fazem tem por meta incentivar-me na continuidade da missão que abracei. Estou seguro de que esta honrosa pertença será fonte de companheirismo nas causas benfazejas de amor às letras, garantindo-nos a sintonia no gosto pela luta em prol de nossos sonhos, no gosto pelos saberes.
Com Santo Isidoro de Sevilha, invoco a Deus para conservar-me firme neste propósito: “Eis-nos aqui, Espírito Santo! Eis-nos aqui, frágeis por causa do pecado, mas fortes pela comunhão em Vosso nome! Vinde até nós e ficai conosco! Dignai-Vos purificar os nossos corações! Ensinai-nos como agir, para onde caminhar e mostrai-nos o que devemos fazer para que, com Vosso auxílio, possamos agradar-Vos em tudo! Sede o vivificador, o conselheiro e a luz de nossos juízos, Vós que com Deus Pai e com Seu Filho possuís um Nome Glorioso; não nos deixeis deturpar a justiça, Vós que amais a suprema equidade; que a ignorância não nos arraste para o mal; que o interesse pessoal não nos dobre; que motivos humanos e a acepção de pessoas não nos corrompam. Uni-nos eficazmente pelo dom permanente de Vossa graça, para que sejamos um só coração e uma só alma em Vós e não nos desviemos em nada do verdadeiro, para que na comunhão em Vosso Nome, assim também guardemos justiça em todas as coisas, com a moderação da piedade para que, aqui, as nossas decisões em nada divirjam de Vós e, no futuro, pela abertura de coração e por Vossa graça, consigamos os prêmios eternos”.
Segundo o que aprendi, a humildade bíblica é em primeiro lugar a modéstia que se opõe à vaidade. Sem pretensão insensata, o modesto não confia apenas em sua própria opinião. A humildade que se opõe à soberba está num nível mais profundo que a modéstia; é a atitude da criatura contingente diante de Deus: o humilde reconhece que recebeu de Deus tudo que tem. De si, apenas, ele nada pode. Ao humilde que se abre à Sua ação, Deus realiza Seus propósitos em favor da humanidade. Incomparavelmente mais profunda ainda é a humildade de Cristo que por Sua humilhação nos salva e convida Seus discípulos a servirem os irmãos por amor.
Desejo ser tomado desta humildade de Cristo que, longe de procurar a Sua própria glória, se humilhou a ponto de lavar os pés de Seus discípulos, revelando-nos que amar é servir.
Esta alegria que experimento é multiplicada mil vezes sem contar, por ter como Patrono da Cadeira que me foi concedida, Dom Silvério Gomes Pimenta, que, por 32 anos, de 1890 a 1922, foi Bispo auxiliar de Mariana, Bispo Diocesano e primeiro Arcebispo da Primacial Igreja Particular de Mariana.
Afinal, quem foi Dom Silvério?
A cidade de Mariana, metrificada em sua clássica lírica, sustém enaltecida o estandarte primaz das Gerais, quando eram os começos fincadouros de algum prelado por estas terras.
Sua história testemunha o alvorecer das conglomerações que a fizeram a primeira cidade e sede do primeiro bispado no ciclo do ouro, nos tempos de Dom Frei Manuel da Cruz, que iniciou a construção da Catedral Episcopal nas Minas.
Nos versos e reversos da história, o esplêndido barroco, emoldurado pelo expressivo Latim, com perspicácia, acolheu o descortinar de incontáveis horizontes, abertos pelo desenvolvimento protagonizado pelos arautos da chama da fé em plagas mineiras.
Nos tempos da sabedoria mesclada de cultura aliada à práxis, quando fluía a mais cristalina convicção de que a inteligência resplandece ao unir-se à abnegação altruísta, nos laboratórios do esmero e do amor irrestrito ao ser humano, a sabedoria proclamava um nome: Dom Silvério Gomes Pimenta.
Dom Silvério (1840-1922), uma luz que iniciou o seu brilho na histórica Congonhas, cidade dos Profetas, cuja chama resplandeceu aos 22 anos, com sua Ordenação Presbiteral, conferida por Dom Antônio Ferreira Viçoso, na cidade de Sabará, enquanto seguia os passos do venerável prelado naquela visita pastoral. Foi em São Paulo, aos 50 anos, que a chama de uma edificante história de fé chegou à sua plenitude com a Ordenação Episcopal, conferida por Dom Pedro Maria de Lacerda. Como um autêntico atleta de uma corrida olímpica, ele fincou a chama de sua fé, completando o êxodo de uma edificante biografia, no solo da glória eterna, aos 82 anos, na cidade de Mariana.
Do começo ao fim de seu ministério, tanto presbiteral quanto episcopal, Dom Silvério destacou-se como um brilhante e dedicado mestre, tornando-se o primeiro Bispo negro do Brasil.
Exímio professor de Filosofia e História Universal, orador sacro, poeta, biógrafo. Ocupou os cargos de Vigário Geral, Administrador Diocesano, Bispo e Arcebispo de Mariana.
No início do século XX, presidiu o Primeiro Sínodo da Diocese de Mariana e conduziu sua elevação à categoria de Arquidiocese, por decreto do Papa São Pio X.
Tendo recebido esmerada formação acadêmica sob a orientação da Congregação da Missão no Seminário de Mariana, Dom Silvério soube cultivar o amor aos livros. Em estilo clássico e revestido de uma linguagem escorreita, Dom Silvério espargiu, por meio de seus livros e cartas pastorais, (1890-1922), a profundidade de uma inteligência que ultrapassou os umbrais da Igreja Particular de Mariana, sendo, deste modo, um deleite para os pensadores de ontem e de hoje.
Conhecedor do Latim, Grego, Hebraico, além das outras línguas que usava corretamente, publicou poesias em Latim, sendo a sua maior obra a Vida de Dom Viçoso. Como Jornalista, fundou e dirigiu, em Mariana, os periódicos O Bom Ladrão, O Viçoso, O Dom Viçoso e o Dom Silvério.
Ao ocupar a cadeira 19 da Academia Brasileira de Letras, Dom Silvério descortinou, como pioneiro, um espaço até então desprovido de representatividade do Episcopado Brasileiro.
Dom Silvério, sendo órfão de pai, desde cedo trabalhou como caixeiro para sustentar a mãe e os quatro irmãos. Era afilhado de crisma de Dom Viçoso e ingressou no seminário aos 14 anos; dois anos depois já era professor de Latim, cadeira que ocupou durante 28 anos. De origem humilde, soube cultivar em todo o seu ministério o despojamento de um pastor configurado a Cristo.
A humildade que peço a Deus, ao viver esta experiência indescritível, me faz usar as palavras de Santo Ambrósio:
“Vem, então, Senhor Jesus, procura o Teu servo, busca a Tua ovelha enfraquecida. Vem, Pastor, procura como José procurava as ovelhas. Andava por aí errante a Tua ovelha, enquanto Tu tardavas, enquanto Te entretinhas pelos montes. Deixa de lado as Tuas noventa e nove ovelhas e vem procurar aquela que saiu por aí vagando. Vem sem cães, vem sem rudes empregados, vem sem o mercenário que não sabe passar através da porta. Vem sem ajudante, sem intermediários, pois já faz tempo que estou esperando Tua vinda. Sei que vens vindo, se é verdade que não esqueci os Teus mandamentos. Vem, mas sem bastão; vem, contudo, com amor e atitude de clemência” (Ambrósio, Commento al Salmo 118,22,28; PL 15,1599).
A alegria que este sodalício hoje me proporciona, desejo repartir com os que nos brindam com o dom de sua amizade. Juntos seremos capazes de persistir desmitificando o Saber, trazendo-o ao alcance de nossas inteligências.
Dixit!
Padre Paulo Dionê Quintão
Pároco de Santa Rita de Cássia, em Viçosa
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