Aurea Luíza Vasconcelos
Meu olhar se volta para tempos remotos…
E em meio à bruma, vão surgindo
A casa grande ao pé da colina…
a varanda…
nela, paisagens criadas pela mão de um mestre…
e eu passeando por aquelas paragens
sem sequer desconfiar o tamanho do mundo!
Do outro lado, o jardim…
Lembro – me das roseiras esparsas,
florindo em canteiros
geometricamente recortados…
Porta adentro…
Memória de outros tempos,
detida nos retratos da parede,
emoldurados por entre guirlandas
inspiradas nas cores da natureza.
Aí o encantamento:
a música ecoando…vinda
ora do gramofone,
de intrigante forma…
ora da “mandolina”
com seus rolos de papel perfurados…
Fonte de fantasia…
enigma para olhos tão infantis!
Mais alguns passos… outra sala.
Ao centro, a mesa grande… imensa…
Desafio das dimensões retidas
por esses mesmos olhos inocentes,
Sem perceber, ao redor,
as decisões de vida
em tantos encontros / desencontros.
Nas paredes, as flores se repetem
vigilantes…aconchegantes…
entremeando portas…muitas portas…
abertas à intimidade…
Vem – me à lembrança, o terço da tarde…
Tantas Ave Marias e Pai Nossos…
Louvação em monorrítmico,
no silêncio respeitoso,
de vez em quando, maculado,
pelo risinho abafado
de alguns dos mais jovens…
Um pouco à frente, o corredor.
Pequeno, mas poderoso.
Acesso ao mistério maior…
Quarto acanhado, sem janelas…
Morada dos santos, de todos os santos,
entre as sombras do oratório imponente.
Ali, as preces fervorosas
ou suplicavam bênçãos
ou levavam segredos inconfessáveis…
Depositando nos céus
As inquietações da terra…
Na outra ponta da casa,
o corredor mais longo.
Caminho direto para
o calor do fogão gigante,
o aroma dos temperos,
as gamelas de madeira,
onde mãos laboriosas
faziam da farinha e o fubá
as delícias nossas de cada dia!
Das janelas, a visão do entorno:
A horta provedora… o laranjal…
Ah! O laranjal…
Que de tão grande,
fugia aos nossos olhos…
Obrigatório destino de todas as tardes,
ondes descascar a fruta era arte
e o artista, aquele que da casca inteira,
fazia o caracol girador, voar pelos ares…
À sombra frondosa das árvores,
bancos toscos de madeira…
Palco improvisado de reuniões familiares…
Ato contínuo,
movido pelo calor
de intensa fraternidade…
Os currais e seus cheiros peculiares…
Animais vigorosos
Esbanjando força e poder…
Lugar do leite quente da hora…
jorrando em alternância,
para cair chiando na caneca… espumoso…
sorvido a goles sôfregos
deixando sinais de gostosura,
no bigode branco sobre os lábios.
O paiol…
A escada pequena, a porta,
a palha macia…
Cheia de mistérios…
sem esquecer sua maior lição:
há que se ter para o amanhã!
A casa velha, o forno antigo.
Memória das memórias,
fio condutor da história,
cujo passado se renova, a cada dia,
no fantástico milagre,
da vida que se multiplica!…
Edificada sobre a pedra,
Tudo permanece em mim…
E de tanto amor… tanta emoção…
Dá vontade de cantar
Como o menestrel…
“Água de beber
bica no quintal
sede de viver tudo
e o esquecer era tão normal
que o tempo parava
tinha sabiá…
tinha laranjeira
tinha o sol da manhã
e na despedida
tinha na varanda
carro na estrada
e o coração lá”