Um dia da minha infância

André Paolucci

 

Acordei com sono naquele dia de sol. Nessa época, nos radiantes 10 anos, tinha poucas preocupações, muitos sonhos e algumas responsabilidades na casa das três janelas. Antigo imóvel da Rua Padre Manoel Rodrigues, mais conhecida como “Pau de Barbas”.
O primeiro compromisso era o café da manhã na casa dos meus avós. Eu morava numa casa simples nos fundos e a oportunidade de usar xícaras com pires, açucareiro, manteigueira, mesa posta com bolo de fubá, pão de sal fresquinho, queijo minas, marmelada, goiabada, leite da roça fervido e com capa de nata além de gemada feita pela vovó Geralda, ovo quente com sal e às vezes farinha láctea, não tinha preço.
Então, no terreiro da casa, vovô Orestes pegava as gaiolas dos canários e me ensinava a cuidar diariamente daquelas avezinhas. Retirava o fundo de cada gaiola, desprezava os excrementos e depois na horta, numa parede antiga e com tijolos que perdiam o reboco para o vento e a chuva, era fácil juntar areia e forrar cada parte. Os passarinhos adoravam. Lavava as banheiras, trocava a água dos bebedouros e repunha alpiste e vitamina amarela.
Findada esta tarefa, descia até o galinheiro com ele, momento que mais gostava. Recolhia os ovos e enquanto ele varria o fundo do cômodo e juntava o esterco, eu trazia uma pá e segurava um saco de linhagem onde ele depositava aquele adubo natural para usar nos jardins e nos canteiros de verduras.
Com um regador bem velho e com furos, passava a aguar as plantas e contemplava extasiado o desenvolvimento da vida naquele quintal. Pés de milho e espigas que comparava ao visconde de Sabugosa do Sítio do Pica Pau Amarelo, ervilhas, couve, parreiral de uvas, cebolinha, salsa, margaridas, hortênsias, copos de leite, lírios e brincos-de-princesa, flor que minha querida mãe, amava.
Na “folga” brincava com os irmãos e primos nesse paraíso, coletando frutas do pé, fazendo “batalhas” de caroço de abacate e mamonas, pique esconde, empinando pipas. Eu só não subia em árvores, por medo de altura, mas uma boa alma sempre jogava laranja ou jabuticaba madura para este pobre diabo.
O tempo passou, a casa das três janelas continua lá, mas sem os antigos moradores. Passeio pelas ruas de Barbacena e vejo uma atmosfera familiar. A cidade mudou, fomos embora, alguns cedo demais e o que pensei que fosse para sempre, é apenas uma lembrança apagada nas fotos daqueles dias de felicidades. Nas memórias mais tenras, eu ainda sorrio e brinco num tempo de inocência que não voltará.

 

André Paolucci ocupa a cadeira número 4 da Academia Barbacenense de Letras